Vinhos Chilenos e Brasileiros
Leiam...
A maior parte desta matéria foi publicada na Folha de São Paulo recentemente, e livremente adaptada, por conta de um Amayna Sauvignon Blanc que Ana e eu adquirimos na “Cucina di Tullio Santini” em nossa última passagem por aquela maravilhosa cantina italiana encravada na Antonio Diederichsen em Ribeirão Preto. Na revista Gula deste mês, há referências magníficas a esse branco chileno, por Robert Parker... Outra novidade recém adquirida aqui é o Merlot Terroir da Miolo: nunca pagamos tanto por uma garrafa de vinho brasileiro (R$ 72,00 na padaria Real em Sorocaba), mas não queríamos perder a chance de experimentar o primeiro vinho pátrio assinado por Michel Rolland, também com bonita entrevista na revista Gula já mencionada.
Eis aqui o trecho adaptado da Folha:
Hoje, San Antonio é berço de alguns dos melhores pinot noir do país, produzidos por jovens vinícolas, como a Viña Garcés Silva e a Casa Marin. A primeira vindima da Garcés Silva foi a de 2003, quando já surpreendeu com tintos e brancos: os Amayna. Da última leva degustada, menção especial para o pinot noir 2004, redondo na boca, com boa tipicidade, marcado por geléias e suaves pinceladas de madeira, persistente e equilibrado.
A entrevista de Michel Rolland está disponível na Internet, no site da revista mencionada, e por isto é a seguir transcrito na íntegra. Conheçam um pouco mais sobre essa personalidade (em tempo – aconselho a qualquer um – assistam “Mondovino”):
MICHEL ROLLAND - UM (EX) VILÃO-VAMPIRO
Em visita ao Brasil, para a apresentação de novidades da Miolo, da qual é consultor, o renomado enólogo francês Michel Rolland falou a Gula de seu trabalho no Brasil e no mundo.Visto sob iluminação normal e sem o maniqueísmo panfletário do documentário Mondovino, o consultor e enólogo francês Michel Rolland é um homem extremamente simpático e afável, ótimo papo, feliz consigo mesmo e com seu trabalho. Aos 59 anos de idade, deve ter o cartão de milhagem mais amplo no meio vinícola. Está sempre vindo de um lugar como Hong Kong e a caminho do Chile ou do Brasil, onde assessora a gaúcha Miolo, ou dando uma passadinha na própria casa em Bordeaux. Além disso tudo, decidiu recentemente contornar o secular sistema dos negociants e vender diretamente seus vinhos, tanto franceses quanto argentinos.
Esta entrevista a Gula começou em uma coletiva na vinícola gaúcha Miolo, onde se inaugurava uma nova cantina e sala de barricas, tudo feito sob sua supervisão, incluindo um novo sistema de plantio e seleção de uvas no melhor padrão europeu. "Falei para cortarem tudo e replantar novos vinhedos", diz, rindo, com a aquiescência de Adriano Miolo, o enólogo sócio-proprietário da casa. "Mudamos bastante a forma de plantar. A que se usava aqui era inadequada, porque estimulava as doenças das uvas." A conversa depois passou à mesa de jantar, onde Rolland se mostrou ainda mais à vontade. É um grande contador de casos, genuinamente atento ao que se quer saber e disposto a falar de tudo sem restrições ("Mondovino? Um pouco manipulador, não gostei", diz irônico e solta a primeira de suas famosas gargalhadas).
Rolland é dessas raras criaturas que prestam atenção nos outros, escuta realmente as perguntas e se preocupa em dar respostas corretas e esclarecedoras. Além de ficar com o canto do olho observando a reação das pessoas ao vinho que estava mostrando, o que explica por que é tão requisitado, pois tem uma ética profissional de dar ao cliente o que ele está pagando, ou seja, consultoria de alto nível (atende uma centena de vinícolas no mundo todo). Quando viu que este repórter gostou do Merlot Terroir, abriu um sorrisão de missão cumprida. Estava evidentemente orgulhoso do produto, escutava e vigiava a reação das pessoas quando provavam o Merlot. Rolland é um charmeur sem dúvida, em pleno uso de sua capacidade, um fino manipulador do poder do convencimento, como admitiu até mesmo a crítica inglesa Jancis Robinson, para quem seu trabalho no Novo Mundo é precioso, mesmo que discorde em termos pesados do que faz na França. Ela o chama, sem meias palavras, de mágico. Para alguém tão demonizado nos últimos anos passar de vilão-vampiro a herói-criador não é pouca coisa.
Até final do jantar, na porta da cantina, com o frio intenso, mas seco, às 2 da manhã, Rolland ainda estava falante e animado, como se acabasse de chegar. Aproveitamos e perguntamos sobre o vinho que fez junto com Michel Chapoutier. Ele deu mais uma de suas sonoras risadas e disse: "Vocês sabem de tudo aqui no Brasil, hein?". E contou que ele e Chapoutier são amigos desde sempre e que decidiram reviver uma velha tradição, misturar uma barrica de seu Bordeaux do Château Bon Pasteur com uma do Hermitage de Chapoutier. Deram ao vinho o nome de M2, engarrafaram umas tantas Magnum e o resto em garrafas comuns - e doaram tudo para uma associação de combate à leucemia infantil. "Foi uma brincadeira, e um ato de nostalgia pelos Bordeaux Hermitage como se chamavam, não vai haver mais", garantiu.
Na manhã seguinte, num encontro casual no aeroporto de Porto Alegre, fechado por causa da neblina, sentíamos o efeito da noite mal dormida e por ter de acordar tão cedo. Ele permanecia vivaz e elegante com sua capa inglesa Barbour e um imponente Patek Philippe no pulso. Revelou-nos alegremente: "Acordei às 5 da manhã para ir a Petrolina visitar o Vale do São Francisco. O vôo foi cancelado. Então, vou a Buenos Aires visitar uns amigos (ele quase sempre chama os clientes de amigos) e depois ver meus vinhedos em Salta (de onde sai o imponente Yacochuya). Incansável, dirige-se ao portão de embarque completando: "E talvez bailar um tango!". Imediatamente, soltou mais uma de suas gargalhadas explosivas.
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A maior parte desta matéria foi publicada na Folha de São Paulo recentemente, e livremente adaptada, por conta de um Amayna Sauvignon Blanc que Ana e eu adquirimos na “Cucina di Tullio Santini” em nossa última passagem por aquela maravilhosa cantina italiana encravada na Antonio Diederichsen em Ribeirão Preto. Na revista Gula deste mês, há referências magníficas a esse branco chileno, por Robert Parker... Outra novidade recém adquirida aqui é o Merlot Terroir da Miolo: nunca pagamos tanto por uma garrafa de vinho brasileiro (R$ 72,00 na padaria Real em Sorocaba), mas não queríamos perder a chance de experimentar o primeiro vinho pátrio assinado por Michel Rolland, também com bonita entrevista na revista Gula já mencionada.
Eis aqui o trecho adaptado da Folha:
Hoje, San Antonio é berço de alguns dos melhores pinot noir do país, produzidos por jovens vinícolas, como a Viña Garcés Silva e a Casa Marin. A primeira vindima da Garcés Silva foi a de 2003, quando já surpreendeu com tintos e brancos: os Amayna. Da última leva degustada, menção especial para o pinot noir 2004, redondo na boca, com boa tipicidade, marcado por geléias e suaves pinceladas de madeira, persistente e equilibrado.
A entrevista de Michel Rolland está disponível na Internet, no site da revista mencionada, e por isto é a seguir transcrito na íntegra. Conheçam um pouco mais sobre essa personalidade (em tempo – aconselho a qualquer um – assistam “Mondovino”):
MICHEL ROLLAND - UM (EX) VILÃO-VAMPIRO
Em visita ao Brasil, para a apresentação de novidades da Miolo, da qual é consultor, o renomado enólogo francês Michel Rolland falou a Gula de seu trabalho no Brasil e no mundo.Visto sob iluminação normal e sem o maniqueísmo panfletário do documentário Mondovino, o consultor e enólogo francês Michel Rolland é um homem extremamente simpático e afável, ótimo papo, feliz consigo mesmo e com seu trabalho. Aos 59 anos de idade, deve ter o cartão de milhagem mais amplo no meio vinícola. Está sempre vindo de um lugar como Hong Kong e a caminho do Chile ou do Brasil, onde assessora a gaúcha Miolo, ou dando uma passadinha na própria casa em Bordeaux. Além disso tudo, decidiu recentemente contornar o secular sistema dos negociants e vender diretamente seus vinhos, tanto franceses quanto argentinos.
Esta entrevista a Gula começou em uma coletiva na vinícola gaúcha Miolo, onde se inaugurava uma nova cantina e sala de barricas, tudo feito sob sua supervisão, incluindo um novo sistema de plantio e seleção de uvas no melhor padrão europeu. "Falei para cortarem tudo e replantar novos vinhedos", diz, rindo, com a aquiescência de Adriano Miolo, o enólogo sócio-proprietário da casa. "Mudamos bastante a forma de plantar. A que se usava aqui era inadequada, porque estimulava as doenças das uvas." A conversa depois passou à mesa de jantar, onde Rolland se mostrou ainda mais à vontade. É um grande contador de casos, genuinamente atento ao que se quer saber e disposto a falar de tudo sem restrições ("Mondovino? Um pouco manipulador, não gostei", diz irônico e solta a primeira de suas famosas gargalhadas).
Rolland é dessas raras criaturas que prestam atenção nos outros, escuta realmente as perguntas e se preocupa em dar respostas corretas e esclarecedoras. Além de ficar com o canto do olho observando a reação das pessoas ao vinho que estava mostrando, o que explica por que é tão requisitado, pois tem uma ética profissional de dar ao cliente o que ele está pagando, ou seja, consultoria de alto nível (atende uma centena de vinícolas no mundo todo). Quando viu que este repórter gostou do Merlot Terroir, abriu um sorrisão de missão cumprida. Estava evidentemente orgulhoso do produto, escutava e vigiava a reação das pessoas quando provavam o Merlot. Rolland é um charmeur sem dúvida, em pleno uso de sua capacidade, um fino manipulador do poder do convencimento, como admitiu até mesmo a crítica inglesa Jancis Robinson, para quem seu trabalho no Novo Mundo é precioso, mesmo que discorde em termos pesados do que faz na França. Ela o chama, sem meias palavras, de mágico. Para alguém tão demonizado nos últimos anos passar de vilão-vampiro a herói-criador não é pouca coisa.
Até final do jantar, na porta da cantina, com o frio intenso, mas seco, às 2 da manhã, Rolland ainda estava falante e animado, como se acabasse de chegar. Aproveitamos e perguntamos sobre o vinho que fez junto com Michel Chapoutier. Ele deu mais uma de suas sonoras risadas e disse: "Vocês sabem de tudo aqui no Brasil, hein?". E contou que ele e Chapoutier são amigos desde sempre e que decidiram reviver uma velha tradição, misturar uma barrica de seu Bordeaux do Château Bon Pasteur com uma do Hermitage de Chapoutier. Deram ao vinho o nome de M2, engarrafaram umas tantas Magnum e o resto em garrafas comuns - e doaram tudo para uma associação de combate à leucemia infantil. "Foi uma brincadeira, e um ato de nostalgia pelos Bordeaux Hermitage como se chamavam, não vai haver mais", garantiu.
Na manhã seguinte, num encontro casual no aeroporto de Porto Alegre, fechado por causa da neblina, sentíamos o efeito da noite mal dormida e por ter de acordar tão cedo. Ele permanecia vivaz e elegante com sua capa inglesa Barbour e um imponente Patek Philippe no pulso. Revelou-nos alegremente: "Acordei às 5 da manhã para ir a Petrolina visitar o Vale do São Francisco. O vôo foi cancelado. Então, vou a Buenos Aires visitar uns amigos (ele quase sempre chama os clientes de amigos) e depois ver meus vinhedos em Salta (de onde sai o imponente Yacochuya). Incansável, dirige-se ao portão de embarque completando: "E talvez bailar um tango!". Imediatamente, soltou mais uma de suas gargalhadas explosivas.
Como começou sua associação com os Miolo?
Encontrei o Adriano Miolo no Chile, numa das minhas visitas aos amigos na Casa Lapostolle se me lembro bem. Como pessoa educada, ele se aproximou de mim me tratando como usted (forma equivalente ao vous francês, ou seja, senhor). Achei simpático aquele rapaz tão jovem que tirou um papel rabiscado do bolso com um grandioso projeto do que pretendia. Gostei da mistura de simplicidade e visão de futuro, tudo num rascunho de um papelzinho amassado, e topei no ato ajudá-lo, mesmo que prometa sempre a minha mulher que não aceitarei mais clientes...
Foi sua primeira vinda ao Brasil?
Não, eu já estive aqui em 1982, em férias, mas minhas férias são sempre um pouco de trabalho, e fui até o Sul. Comentei com minha mulher que aqui havia bastante potencial, mas estava tudo errado: tem híbridos plantados, a densidade das videiras é demasiada para o clima e o sistema não é o correto, o clima úmido pede espaldeiras, do modo como está tudo vai apodrecer, e a folhagem não vai permitir a passagem do sol e o amadurecimeto correto das uvas. Curiosamente tocou a mim 20 anos depois implantar justamente essas modificações. Estamos no caminho certo para achar a verdadeira vocação do Vale dos Vinhedos. Penso que é a Merlot, primeiro porque é uma uva do meu coração, do Pomerol, e depois porque foi a que melhor se mostrou nas experiências que fizemos nestes últimos anos.
Em que consiste exatamente seu trabalho?
Venho duas vezes por ano, e meus assistentes voltam com mais freqüência e acompanham todo o processo. Meu trabalho é entender a vinha e a região e ver como melhorar o vinho resultante dessa relação. Ouvimos os proprietários, aonde eles querem chegar, qual sua expectativa e qual a chance de atingi-las.
É verdade que se pode produzir vinho em qualquer lugar?
Em teoria, sim, desde que não se queira forçar e fazer um Château Ausone em todo o mundo. Há uvas para climas diferentes. Todo mundo sempre arregala os olhos quando ouve falar de vinhos da Índia. Mas eles estão lá, e melhorando. Vou contar o que houve na Índia. Um indiano sedutor chamado Kanwal Grover me abordou: "Monsieur, eu faço vinhos há decadas e são horríveis!". Claro que você presta atenção numa pessoa que fala para você nesses termos tão sinceros. Provei os vinhos... eram horríveis (risos), intragáveis. Mas respondi a ele sobre minha mulher, são 36 anos de casados, ela não agüenta mais que eu aceite encargos. Cheguei em casa e contei a ela, que só falou uma palavra, com brilho nos olhos: "Índia!". E lá fui eu. A Índia tem duas estações, a quente e o monção. Dificílimo para as uvas, curiosamente a Chardonnay que parece se dar bem em qualquer lugar lá foi um fracasso. Em resumo, estamos conseguindo um Syrah-Cabernet decente e um Rousanne-Viognier decente e vamos melhorar...
O senhor se considera um profissional bem-sucedido?
Bom, tenho 33 anos de consultoria, além de meus vinhos, neste período acho que nunca cheguei ao ápice, sempre há o que melhorar e descobrir, mas tampouco nunca me mandaram embora, ninguém ficou descontente com os resultados, então, isso é um balanço positivo, e gosto muito do que faço.
Quanto tempo de guarda agüenta o Merlot Terroir da Miolo?
Este já não tem mais nenhum tempo (diz rindo, ao constatar que havíamos esvaziado duas garrafas e achado o vinho bastante bom). Não é nossa preocupação no momento, talvez uns quatro ou cinco anos, a idéia é fazer o melhor, já está pronto para beber, tem uma vida pela frente, no futuro talvez cheguemos aos de grande-guarda, mas se conseguimos em três anos de trabalho este vinho... E vamos melhorar com o tempo. Toda tecnologia é evolutiva, mais que uma revolução, e a enologia é uma técnica, leva muito tempo, se dá errado num ano, tem de esperar todo um ciclo, nova colheita, um ano inteiro... Paciência é a chave para fazer bons vinhos.
É realmente compensador vender os vinhos diretamente?
Está dando muito certo, o sistema existe porque ninguém ousa mudá-lo, dizem "ah, se os negociants não quiserem meu vinho, estou perdido". Tenho vendido diretamente para importadores dos Estados Unidos e estou em negociações em outros países, isso barateou o preço final para o consumidor e criou uma linha direta entre nós, é a eliminação de intermediários que não trazem nenhum benefício evidente.
Matéria publicada na edição 166 - Agosto/2006
Bibliografia
http://www2.uol.com.br/gula/entrevista/index.shtml