26 de março de 2011

Sobre as polegadas


De Elio Gaspari, na Folha de São Paulo duas semanas atrás...

MADAME NATASHA 
Madame Natasha tem horror a números e, no seu esforço para despoluir o idioma, concedeu uma bolsa de estudo coletiva a todos aqueles que usam medidas americanas para descrever objetos. Coisas assim: a tela do iPad tem 9,7 polegadas, a do Kindle tem 6 e o monitor de uma televisão, 38.
A polegada é uma medida de comprimento excêntrica, usada em poucos países. Além dos Estados Unidos, há a Libéria e Mianmar. Os demais seguem o sistema métrico decimal, criado na França e adotado no Brasil desde 1872. (Na Inglaterra rodam os dois.)
Mesmo os americanos, quando sabem que estão falando para uma plateia internacional, registram a medida em polegadas, convertendo-a para centímetros dentro de um parênteses.
Natasha crê que um brasileiro, ao registrar a medida de um produto em polegadas, pratica um exercício de preguiça (quando está traduzindo algum texto) ou de presunção (quando pretende mostrar que sabe uma coisa que a freguesia ignora).
A polegada mede 2,54 centímetros, portanto, a tela de um iPad tem cerca de 25 centímetros.
Natasha propõe que cada pessoa disposta a defender o uso das medidas americanas num texto em português seja capaz de dizer qual a sua altura em pés e polegadas. Ou ainda, que informe o tamanho de seu apartamento de 50 metros quadrados. (Ele tem 538 pés quadrados.)

5 de março de 2011

Estorieta de vinho

Recebi de um amigo, e deixo aqui lançada



Para os apreciadores de um bom vinho...

Consta que, certa noite, anos atrás, um homem entrou com a namorada no restaurante Lucas Carton, em Paris, e pediu uma garrafa de "Mouton Rothschild", safra de 1928.
O sommelier, em vez de trazer a garrafa para mostrar ao cliente, traz o decanter de cristal cheio de vinho e, depois de uma mesura, serve um pouco no cálice para o cliente provar.
O cliente, lentamente, leva o cálice ao nariz para sentir o aroma, fecha os olhos e cheira o vinho.
Inesperadamente, franze a testa e, com expressão muito irritada, pousa o copo na mesa, comentando rispidamente:
- Isto aqui não é um Mouton de 1928!
O sommelier assegura-lhe que é. O cliente insiste que não é.
Estabelece-se uma discussão e, rapidamente, cerca de 20 pessoas rodeiam a mesa, incluindo o chef de couisine e o gerente do hotel, que tentam convencer o intransigente consumidor de que o vinho é mesmo um Mouton de 1928.
De repente, alguém resolve perguntar-lhe como sabe, com tanta certeza, que aquele vinho não é um Mouton de 1928.
- O meu nome é Phillippe de Rothschild, diz o cliente modestamente, e fui eu que fiz esse vinho.
Consternação geral.
O sommelier então, de cabeça baixa, dá um passo à frente, tosse, pigarreia, bagas de suor escorrem da testa e, por fim, admite que serviu na garrafa de decantação um Clerc Milon de 1928, mas explica seus motivos:
- Desculpe, mas não consegui suportar a idéia de servir a nossa última garrafa de Mouton 1928. De qualquer forma, a diferença é irrelevante. Afinal, o senhor também é proprietário dos vinhedos de Clerc Milon, que ficam na mesma aldeia do Mouton. O solo é o mesmo, a vindima é feita na mesma época, a poda é a mesma e o esmagamento das uvas se faz na mesma ocasião, o mosto resultante vai para barris absolutamente idênticos. Ambos os vinhos são engarrafados ao mesmo tempo. Pode-se afirmar que os vinhos são iguais, apenas com uma pequeníssima diferença geográfica.
Rothschild, então, com a discrição que sempre foi a sua marca, puxa o sommelier pelo braço e murmura-lhe ao ouvido:
- Quando voltar para casa esta noite peça à sua namorada para se despir completamente. Escolha dois orifícios do corpo dela muito próximos um do outro e faça um teste de olfato. Você perceberá a sutil diferença que pode haver numa pequeníssima diferença geográfica.