21 de abril de 2009

Susan Boyle

Acho que vale a pena, está todo mundo falando
sobre isso... É o segundo show do Britains
Got Talent que me chama a atenção. O outro,
maravilhoso também, foi com Paul Potts
 
 
Ative as legendas e surpreenda-se também,
agora com Susan Boyle - 47 anos, mora com o
gato, solteira e nunca se atreveu a um beijo...
 
 
 
 
 
Folha de São Paulo de 17.4.2009 - Gancia
 
BARBARA GANCIA

Shrek de saias

E daí, Susan começa a cantar... E o teatro quase vem abaixo: a surpresa é ampla, geral, irrestrita e divina

SE A ESTA ALTURA do campeonato você ainda não sabe quem é Miss Susan Boyle, melhor dar um reset na cuca. No sábado, dia 11 de abril, ela conquistou corações e mentes na Grã-Bretanha com sua apresentação da música "I Dreamed a Dream" (do musical "Les Misérables") no programa de calouros "Britain"s Got Talent", do canal ITV. De lá para cá, sua participação no programa já foi vista no YouTube mais de 11 milhões de vezes por gente do mundo inteiro. É impossível não ficar com um baita nó na garganta ao ver Susan entrar no palco, ser zombada pela plateia e, logo em seguida, arrebatar jurados e público ao emitir as primeiras notas da canção. Acontece que nossa heroína é feia do Vale do Eco (feia, feia, feia...), desengonçada, mal-ajambrada, seu cabelo parece um poodle fugido da chuva, suas sobrancelhas são um emaranhado de saca-rolhas, seu queixo é multiplex, enfim, ela é do tipo que se candidata a vencer o concurso de mais horrenda da sala a cada vez que adentra um recinto. Para piorar as coisas, o vídeo mostra que a mocreia se embanana logo na saída. Antes de começar a cantar, ela explica que tem 47 anos e é desempregada. Depois tropeça na hora de dizer que sua cidade natal, West Lothian, na Escócia, é um vilarejo. A plateia começa a ficar impaciente. Simon Cowell, jurado implacável deste e de outros shows de calouros de sucesso, então pergunta a ela qual o seu sonho. E Susan responde que é "ser como Elaine Page". Para quem não sabe, Elaine Page é a primeira-dama do teatro musical britânico, respeitada, linda e elegante. Ou seja, a antítese de Miss Boyle. As câmeras de TV focalizam algumas expressões de indignação em meio ao público. E daí, Susan começa a cantar... E o teatro quase vem abaixo: a surpresa é ampla, geral, irrestrita e divina. Assim que o vídeo de Susan foi parar no YouTube, a atriz Demi Moore postou uma mensagem no Twitter dizendo que estava com os olhos "marejados". O produtor de "Les Misérables", Cameron Mackintosh, se disse "engasgado" com a performance: "Foi uma das melhores versões da canção que eu já ouvi, tocante e enaltecedora, espero que ela cante diante da rainha". Note que a adaptação musical da obra de Victor Hugo existe desde 1980. O vencedor do concurso de calouros ganhará 150 mil libras esterlinas e irá se apresentar diante de Elizabeth 2ª. E Susan, que causou toda essa comoção na primeira eliminatória de que participou, ainda não ganhou coisa alguma. Na página oficial do show na internet, Boyle revela que canta onde consegue, para quem estiver disposto a ouvir, mas que nunca tinha tido chance de mostrar seu talento. O jornal escocês "The Herald" disse que a história é "uma parábola do nosso tempo, coisa de Hans Christian Andersen, uma mulher arrancada da obscuridade, um talento enterrado que apareceu". A revista "Entertainment Weekly", por sua vez, afirmou que a performance foi "a vitória do talento absoluto em uma cultura obcecada com a aparência superficial". Em entrevista depois do programa, Boyle comentou a reação do público assim que ela pisou no palco: "A sociedade moderna julga as pessoas apressadamente pela aparência, talvez meu caso sirva de lição".

 
 
Folha de São Paulo de 19.4.2009 - Elio Gaspari
 
ALEGRIA PURA
Quem tiver sete minutos para perder pode passar no
YouTube para ver a desempregada inglesa Susan Boyle
cantando "I Dreamed a Dream" num programa de calouros.
É uma variante compacta do toque sentimental que se recebe
vendo o filme "Slumdog Millionaire", sem o acompanhamento
do estilo "Cidade de Deus" de direção.
 
 
 
 
Folha de São Paulo de 21.4.2009 - Coutinho

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Senhora das tempestades

A interpretação de Susan Boyle deu à canção uma intensidade de desabar o teatro

TODA A gente fala de Susan Boyle. Quem? Bom, talvez você, leitor, tenha vivido em Marte nos últimos dias. Mas Susan Boyle está nas bocas do mundo precisamente desde o momento em que abriu a boca.
Susan é escocesa. Tem 47 anos.
Desempregada. Solteira. Nunca foi beijada. Cuidou de mãe moribunda até 2007. Vive com um gato. Frequenta a igreja. E o coro da igreja. O aspecto não é promissor. Simplória. Aldeã.
E com demasiados sonhos na cabeça: quando entrou no palco do programa "Britain's Got Talent", mais um desses shows de TV para revelar talentos musicais anônimos, a audiência riu com seus modos um pouco grosseiros.
Um dos membros do júri, em pose condescendente, começou as hostilidades com um "What's your name, darling?", e "darling", no presente contexto, é de um paternalismo arrepiante. Susan Boyle respondeu: o nome e, depois, o nome que ela gostaria de ser na música. Elaine Paige. Nem mais. A diva dos musicais londrinos que já trabalhou com toda a gente que é gente. Risos mil.
Então soltaram a música. A audiência e o júri prepararam-se para o pior. E o pior veio, mas não exatamente como eles esperavam.
Susan Boyle cantava. Bem. Demais. A música, "I Dreamed a Dream", tema do musical "Les Misérables", era agora servida por capacidade vocal impressionante. Mas não apenas por capacidade vocal impressionante. A interpretação de Susan Boyle conferia à canção uma intensidade que fez desabar o teatro em choros e aplausos. De Londres a Nova York, passando pelos milhões de internautas no YouTube, Susan Boyle é apresentada como a nova Elaine Paige.
Opinião pessoal? Não, Susan Boyle não é Elaine Paige. Nem poderia. Acredito em talento natural. Não acredito apenas em talento natural.
Mesmo Mozart, um caso sem aparente explicação humana, não seria possível sem a família e o meio musical onde nasceu e cresceu, capaz de fazer florescer o que já era puro gênio no pequeno Wolfgang.
Não se iludam, preguiçosos e indolentes: o talento natural pode ser o primeiro passo. Mas ainda existem todos os outros para dar, em anos infindos de trabalho e solidão pessoal.
Susan Boyle é um caso de talento natural evidente. Mas o que verdadeiramente me impressionou em toda essa história não foram apenas os dotes naturais daquela voz. Também não foi o gritante abismo entre a forma e o conteúdo -ou, se preferirem, o clichê romântico do patinho feio que se revela um cisne. O que impressionou foi a escolha da canção e as palavras que a canção encerra, um pormenor que parece ter sido ignorado pela humanidade circundante.
"I Dreamed a Dream", uma das raras canções audíveis de "Les Misérables", não é apenas um tema sobre sonhos desfeitos. É um tema sobre a "sorte", essa terrível palavra que os gregos conheciam bem mas que a nossa modernidade racionalista eliminou do léxico filosófico.
De acordo com a ideologia reinante, o que somos, o que temos e o que fazemos depende unicamente de nós. A felicidade humana é uma construção pessoal que exige método e esforço. O que implica, inversamente, que a infelicidade é o resultado da nossa incapacidade para sermos felizes. Haverá pensamento mais perverso?
Não creio. E, no entanto, ele é repetido, dia após dia, numa sociedade que se sente infeliz por não ser feliz, como se a felicidade não fosse também um produto de contingências várias, que escapam ao controle dos homens. O produto, no fundo, de oportunidades que vieram ou não vieram; da ação ou da inação de terceiros; e das mil vidas que poderíamos ter tido.
Como no tema musical que Susan Boyle canta com a intensidade própria de quem explica a sua biografia, os nossos sonhos não dependem só da nossa autonomia.
Dependem dos "tigres da noite" ou das "tempestades imprevistas" que tantas vezes os envergonham e despedaçam.
Quando a febre passar e Susan Boyle regressar à aldeia e ao anonimato, a memória que deve ficar não é a de um talento escondido que teve os seus 15 minutos, ou 15 horas, ou 15 dias de fama.
O que deve ficar é a lição grandiosa de uma mulher que, na sua tocante simplicidade, disse a cantar o que provavelmente aprendeu com a vida. Que o inferno ou o paraíso, longe de serem prêmios exclusivamente humanos, repousam também nas mãos do destino.