Nos últimos anos, após nossas primeiras viagens, começamos a apreciar os bons vinhos. Já há algum tempo, a cerveja ia deixando a preferência doméstica. É claro que existem algumas exceções no mundo da cevada, como a maravilhosa Guinness irlandesa, escura, stout, deliciosa. Mas ainda assim, o mundo dos vinhos é que nos chamava a atenção. Existe toda uma crença sobre os vinhos e os rituais que cercam as degustações, mas a bem da verdade, trata-se de mera reprodução de um sem número de outros rituais ligados ao convívio social diário. Talvez, por conta dos custos envolvidos em vinhos mais elaborados e/ou renomados, haja conexão imediata com o esnobismo ou vontade de aparecer. Não creio que essa visão seja acertada, já que é perfeitamente possível, nos dias de hoje, desfrutar de ótimos vinhos com preços simplesmente inacreditáveis. Assim é que, nas últimas postagens deste blog, temos comentado sobre alguns vinhos de nosso agrado e que, verdadeiramente, não custam os olhos da cara...
Na noite de 04 de fevereiro de 2006, recebemos dois casais amigos em nossa casa para degustação de alguns vinhos. Quando se permite uma boa combinação vinho/refeição, a confraternização se desenvolve ainda em melhores termos. Pode haver algo melhor do que um Barbera d’Alba ao lado de um bom prato de carne com trufas brancas? Há, desde os primórdios, algo mágico na mesa, com pão e vinho.
Nos últimos meses, Ana e eu pensamos em convidar estes dois senhores e suas respectivas consortes para uma agradável recepção ao som das boas taças de vinho e pratos sugestivos. Embora com muito calor, a noite de 04.2.2006 foi perfeita. Aliás, por conta das sugestões dos convivas, chegamos a conclusão de que vale a pena investir num bom aparelho de ar-condicionado para a sala, além de, afinal, adquirir a pequena adega climatizada (que está a caminho – Dometic, 80/100 garrafas). Nossa casa não é a mais bela da rua, e nossos gastos não são exorbitantes. Não guardamos dinheiro em casa e os eletrodomésticos e móveis são rústicos a tal ponto que, se recebermos visita dos “amigos do alheio”, certamente ficarão decepcionados. Mas, aos poucos, e com economia, é possível conseguir conforto e paz de espírito em qualquer lugar, especialmente se partirmos do princípio que “caixão não tem gaveta”, como dizia o Juiz do Trabalho Décio Rodovalho.
Nosso convescote reuniu seis pessoas, aí incluídos os anfitriões, durando toda a noite e entrando pela madrugada. Dois pratos básicos foram preparados: o salmão no azeite e sal, e a carne al’albese, temperada com sal e pimenta e polvilhada com trufas brancas. Ana preparou também, arroz branco com água de coco e arroz com açafrão (outra especiaria estonteante). Havia salada de endívias e outros ingredientes para os vegetarianos e, claro, os vinhos mais adiante descritos. Para a sobremessa, sorvetes Hagen Daaz de Chocolate Belga e Torta de Queijo com Morangos. Grande parte das informações foi recolhida de literatura especializada (Wine Spectator, Gambero Rosso, A Bíblia do Vinho, e sites na Internet) e o prazer que cada um de nós sentiu ao experimentar cada vinho deve ser pormenorizado individualmente. Apreciar um bom vinho é algo extremamente pessoal e o que é bom para uma pessoa não o é obrigatoriamente para outra.
É importante, todavia, agitar o único fato negativo de todo o evento – o número exagerado de garrafas que foram abertas, prejudicando levemente (já que todos estávamos preparados para uma grande noite) a apreciação lenta de cada vinho escolhido, especialmente aqueles mais próximos da ponta final. É certo que o entusiasmo e a emoção, unidas ao ótimo cardápio, conduziram-nos a isso, mas certamente é algo que não se repetirá com vinhos de tamanha grandeza em reunião de mesma natureza.
“Wine Spectator” é uma revista americana especializada em vinhos. Usualmente avaliam os vinhos com classificação máxima de 100 pontos. Trazem sempre informações interessantes sobre os produtores, as novidades, a relação custo/benefício. Infelizmente, a assinatura é razoavelmente cara. Alguns exemplares podem ser conseguidos nas principais lojas de revistas em Ribeirão Preto.
“Gambero Rosso” é a principal publicação italiana sobre vinhos, e traz avaliações e comentários exclusivos apenas sobre as casas daquele país. É publicado anualmente, sendo ótimo compêndio para gosta de vinhos italianos.
“Bíblia do Vinho” é praticamente uma enciclopédia em volume único, disponível na Ediouro, falando um pouco de tudo sobre o mundo dos vinhos, incluindo o Brasil. Pode ser comprada pela Internet em qualquer uma das grandes livrarias conhecidas.
1) Vinho do Porto Branco Adriano Ramos Pinto, engarrafado em 1999.
Tinha eu certeza de que era um Branco Seco raro de achar no Brasil. E justamente um dos colegas que se iniciava nos caminhos da degustação nesta noite arriscou: “- é doce...”. E era mesmo! Mas veio bem, resfriado na temperatura aproximada de oito graus (estamos no Brasil, não é?), acompanhado com alguns queijos moles, especialmente Camembert e Brie brasileiros (Polenghi Selection). Do site da empresa Adriano Ramos Pinto, algumas informações adicionais: “Quando se fala de Porto, vinho tinto é a expressão que surge. As uvas brancas eram mais usadas para aligeirar o vinho tinto do que propriamente para produzir vinho branco. Hoje, com estudos e selecção das melhores castas (Viozinho para dar corpo, sensualidade e aroma, Rabigato para frescura e acidez, e Arinto para o gosto mineral, elegância e finesse), fazemos este vinho que, com as suas cores citrinas e douradas, nos revela gostos e aromas a frutos maduros, por vezes secos, com deliciosas interferências de outros aromas mais jovens e alegres. É um vinho com cerca de 100 gramas de açúcar por litro. Bebe-se fresco, como entrada de refeição, aperitivo ou acompanhando foie-gras”.
2) Feudi di San Gregorio Aglianico Irpinia Rosato 2004.
Este é um vinho italiano rosé (Região da Campania) que nos encantou, à Ana e eu, numa degustação que fizemos na World Wine Ribeirão Preto, no segundo semestre de 2005. A casa Feudi di San Gregorio tem alguns brancos maravilhosos, e este Rosato com 100% da uva Aglianico foi uma das melhores surpresas em 2005. Tem um frescor agradabilíssimo e é quase impossível sentir a impostação do álcool. Refrescante, se dá bem com quase qualquer entrada, ou mesmo pratos principais mais arrojados. Frutas secas foram bom acompanhamento. Surpreenda-se com a cor e o charme da garrafa translúcida em vidro jateado.
3) Kalyra Chardonnay 2003.
Californiano, foi adquirido em recente viagem pelo distrito de Santa Bárbara, Califórnia – USA. É uma das vinícolas visitadas pela dupla Jack (Tomas Haden Church) e Miles (Paul Giamatti) no filme “Sideways – entre umas e outras” que, obviamente, inspirou o nosso roteiro turístico de virada de ano (2005/2006). 100% uva chardonnay, forte, marcante, com presença, aos cuidados de um “winemaker” australiano, produzido na área de Santa Ynez Valley e fermentado diretamente em barris de aço inoxidável. É de consumo imediato e serviu mais como curiosidade para a noite que ainda estava no começo. Alguém se lembra que horas eram?
4) Champagne Veuve Clicquot Rosé Reserve 1985.
Momento de raro prazer e pura transcendência que defluiu da degustação de uma champagne “millésime” com mais de vinte anos, de cor viva refletindo tons laranjas. O nariz complexo com dominância de pequenas frutas vermelhas, e as notas típicas da Pinot Noir. Na boca, bem estruturado e com uma persistência admirável. Com esta magnífica garrafa demos início ao jantar propriamente dito, com o salmão embebido em azeite Gallo do Mestre (0,3% de acidez) – tinha que ser português – e arroz ao açafrão. A novidade é conhecer algo mais sobre champagne e perceber que, afinal, é possível o envelhecimento desse gênero de vinho tão clássico. Esta garrafa foi adquirida no ano passado, em viagem de férias, diretamente na famosa casa francesa sediada em Reims.
5) Marchesi di Barolo Ruvei Barbera d'Alba 2001.
Tinto italiano do Piemonte e muitíssimo bem cotado na “Wine Spectator”, com 90 pontos em 100 possíveis. Um grande vinho com uma ótima relação custo-benefício. Absolutamente delicioso, com corpo entre médio e cheio. Paladar maduro de ameixas e um caráter mineral. Explosão de aromas mostrando bom balanço e final reforçando ameixas. Tem nariz de fundo com tom de uvas passas. Será sempre um top Barbera. Ótima relação custo-benefício e pronto para consumo; não deve ser envelhecido. 7.000 caixas foram produzidas. Com ele iniciamos a Carne al’Albese, com trufas brancas e o arroz branco com água de coco.
6) DonnaFugata Angheli 1999.
Tinto siciliano de personalidade e elegante, corte de Merlot e Nero d'Avola em iguais proporções, dos vinhedos das colinas de “Contessa Entellina” (dali sai também o top siciliano – “Mille e Uma Notte”). Vinho moderno e globalizado, de terroir com boa exposição ao sol e cativante suavidade. O solo é bem estruturado, tendo em sua composição um pouco de argila, e o clima de cultivo é tipicamente mediterrâneo. Passa de oito a doze meses em pequenas barricas de carvalho e, ao menos, seis meses na própria garrafa. Tem graduação alcoólica de 13% e temperatura de serviço de 18º Celsius. Armazenado adequadamente, tende a melhorar. Ao serviço, mostrou-se insinuante, com corpo médio, e boa ligação para os grandes tintos da noite. Talvez, o corte proposto pela casa siciliana tenha resultado num bom vinho para qualquer ocasião. O site da empresa sugere temperatura de serviço em 18º Celsius.
7) Travaglini Gatinara "Tre Vigne" 1997.
Tinto da região do Piemonte, na Itália, produzido com variedade da uva nebbiolo, acompanhamento perfeito para o prato de carne com trufas brancas levemente polvilhadas. Um sofisticado garnet vinho tinto com um delicado nariz de violetas, cherries e toques de pimenta indiana. Este vinho é profundo e aveludado na textura com aromas intensos de frutas vermelhas, especiarias indianas, cogumelos e características terrosas. Cheio e concentrado, com taninos macios e facilmente assimilados, este vinho tem final longo e suave. Em algumas provas é avaliado na casa de 90 pontos. Melhor se consumido após 2004. Foram produzidas 2300 caixas deste vinho considerado moderno. Este é um dos vinhos prediletos pelos americanos, sendo muito consumido naquele país.
8) Chateau Pichon-Longueville Comtesse de Lalande 1997.
AOC, Bordeaux, França. Eis aqui o que habitualmente os enólogos e produtores chamam de second vin. Em Pichon-Longueville são decididamente dois vinhos bem distintos. A alta proporção de uvas Merlot no "Comtesse" o transforma no vinho mais palatável a curto prazo.
Este regra geral é particularmente aplicável ao “Comtesse” 1997. De aparência brilhante, com tons dourados do sol daquele ano, o nariz é logo dominado por frutas vermelhas com notas tostadas de café e chocolate. Baixa acidez, com taninos macios e agradáveis que contribuem para tornar este vinho pronto para beber. Este Bordeaux que consumimos foi avaliado por alguns portugueses em 2002 e vejam só:
Rui Falcão, Novembro 2002. Este Grand Cru Classé de Bordéus apresenta um nariz maravilhosamente complexo, com especiarias de madeira (sobretudo cedro), ligeiro mentol, algum couro, notas minerais, bem como alguma groselha e amora. Estranhamente surgem também algumas subtis notas a alho neste aroma finamente rendilhado.
Na boca o vinho surpreende pela qualidade do fruto e pelo aveludado do paladar, um conjunto notável onde coabitam admiravelmente taninos finos e sedosos, potência bem "domesticada", tudo num conjunto que aparenta leveza e graça. Um vinho extraordinariamente feminino!
O ataque de boca revela uma patine, um veludo que se desenvolve e insinua na boca perdurando num final de boca como não pensava poder existir. O final evoca caramelo, chocolate fino e revela uma persistência a todos os títulos notável!É um daqueles vinhos que facilmente pode passar ao lado se não se estiver com atenção, sobretudo se confrontado com "monstros" de fruta e álcool! Consegue aliar finura, elegância, complexidade e potência num só vinho. Agora percebo a fama dos Grand Crus de Bordéus!19 pontos em 20 possíveis.
Pedro Gomes, Novembro 2002. Bastaria a finura aromática para nos rendermos a este "super-second". Estão lá a fruta, a apara de lápis, uma ligeira borracha e, todo o conjunto começa a dar sinais de vir a evoluir para descritores de torrefacção. Um nariz envolto num manto de equilíbrio e finura extremas. Muito estruturado na boca, redondo, com uma textura admirável e, quer queiramos quer não, um hino à harmonia e à elegância: tudo numa linha do tipo "se te distrais... nem dás por mim". Um autêntico veludo, com um final... minha Nossa Senhora. Um excelente exemplo de como os "grandes" de Bordéus continuam a comandar as tropas. Se é assim com uma colheita menor, o que será num ano "clássico"? 18,5 pontos em 20 possíveis.
9) Krohn Colheita 1966 Vinho do Porto.
Um dos melhores vinhos do mundo para acompanhamento de sobremesas ou como aperitivo. Os Colheita são Portos produzidos com vindimas de um único ano com alta qualidade, envelhecidos
em madeira por, ao menos, sete anos. Em nosso caso, veio para adega como presente de aniversário de 40 anos e foi engarrafado no ano de 2000. Enquanto no barril os Colheita são submetidos, a cada três anos, à aprovação permanente do Instituto do Vinho do Porto. Ao engarrafar, as etiquetas devem mostrar o respectivo ano de engarrafamento. O risco de encontrar sedimentos na garrafa é muito pequeno, por conta do longo tempo de amadurecimento em casco. Após abrir a garrafa, não é necessário consumir todo o vinho imediatamente – pare quando quiser e deixe-o armazenado novamente, pelo tempo que desejar. Da próxima vez que abrir a garrafa, os mesmos aromas e sabores estarão ainda lá. As variedades de uvas que integram o vinho: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Barroca e Tinta Roriz. Experimente após as refeições, acompanhando nozes, tortas ou bolos de amêndoas, chestnuts ou frutas vermelhas; crème brulé e queijos – especialmente os cremosos como Brie, Camembert, Brillat-Savarin da França, ou Bel Paese e Mascarpone italianos. Os sorvetes foram servidos com bolo brownie de chocolate.
E assim, deu-se o encerramento de uma noite agradabilíssima. Nossa gratidão aos partícipes e espero que se divirtam com as fotos (das garrafas, é claro).