26 de julho de 2006

O Batismo

Este texto é tão rico, que resolvi copiar e disponibilizar aos amigos mais chegados que não sejam assinantes da Folha de São Paulo...


RUBEM ALVES

Senhor bispo:

Por favor, instrua os seus padres informando-os de que todas as crianças vão para o céu, mesmo sem batismo. DIRIJO-ME A V. Rvma. a fim de solicitar esclarecimentos sobre um problema que me foi comunicado via internet por uma mulher que desconheço. O assunto trouxe-me grande aflição por estar em jogo a salvação eterna da alma de uma criança inocente.

A dita mulher me enviou um e-mail após ter lido um artigo meu sobre o batizado da minha neta Mariana do qual o celebrante não autorizado fui eu. Disse-me ela que tem um filhinho e é seu desejo batizá-lo. Mas o sacerdote lhe nega o batismo sob a alegação de que ela e o pai da criança não são casados na igreja. A criança corre o risco de passar a eternidade no inferno por causa do pecado dos seus pais.

Sempre pensei que, segundo a teologia da igreja, o fato de uma mulher ficar grávida, casada ou não casada, é sinal de que Deus deseja a dita gravidez. Pois se ele não a desejasse a gravidez não aconteceria. É somente isso que explica a interdição do aborto em qualquer situação, inclusive nos casos em que o feto não tem cérebro. O senhor haverá de convir comigo que existiria uma contradição na mente divina se Deus aprovasse a gravidez e, ao mesmo tempo, ordenasse à instituição que o representa que lhe negasse o batismo. Imaginemos que uma mulher engravide como resultado de um estupro.

O seu filhinho está condenado a uma eternidade no limbo? Imaginemos uma mulher e seu companheiro. Eles muito se amam. Mas não são casados sacramentalmente. Sei que o amor não importa. Aprendi isso de um padre que, numa homilia de casamento, disse aos nubentes: "Não é o seu amor que faz o seu casamento. É o contrato."

Muito embora os textos sagrados digam que Deus é amor, e o apóstolo Paulo tenha dito que o amor é a maior de todas as virtudes, o fato é que, para a teologia da igreja, quem não casou na igreja está num estado de concubinato. Os companheiros estão em pecado e impedidos de receber os sacramentos. Eles têm um filhinho que não pode ser batizado. Aí o marido morre num acidente. Agora, graças à morte do marido, a mulher não mais se encontra numa relação pecaminosa. A criança pode ser batizada. E se o companheiro da mulher que me enviou a carta morrer, o seu filho poderá ser batizado?De todos os santos o de minha devoção mais forte é santo Expedito. Ele tem a palavra "hoje" escrita na sua cruz. Santo Expedido não deixa para amanhã. O milagre acontece no mesmo dia. Pois contou-me uma piedosa senhora sobre um milagre de santo Expedito.

Uma amiga sua sofria muito nas mãos de um marido cruel. Ela orou a santo Expedito e o seu pedido foi atendido no mesmo dia. O seu marido se enforcou. Trata-se, eu penso, do primeiro suicídio milagroso de que há registro. Pergunto: "Seria adequado à mulher que me escreveu apelar para os serviços rápidos de santo Expedito? Quem é que o santo mataria? O marido ou o padre? Se ele me pedisse conselho eu diria: "Mate o padre..."

Por favor, senhor bispo: instrua pastoralmente os seus padres informando-os de que todas as crianças vão para o céu, mesmo sem batismo, não importando que seus pais sejam católicos, protestantes, hinduístas, espíritas, umbandistas, do candomblé, budistas, xintoístas, judeus, maometanos, ateus e quantas religiões haja. Fraternalmente, Dominus vosbiscum.

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