Água na Boca!
Aconteceu no dia 15 de junho de 2006. Lúcia precisava fazer a “comidinha da mamãe” para as crias, o que é absolutamente essencial em feriados prolongados. O Pedro e a Sonia sumiram do mapa, nem secretaria eletrônica eles deixaram em casa. Mas, havia vida inteligente na cidade, e lá fomos nós atrás do “xará”, que concordou em vir a nossa casa na companhia da digníssima consorte. Já havia tempo que Ana e eu queríamos experimentar um novo vinho tinto produzido pela Cooperativa Vinícola Aurora: o “Aurora 75” em comemoração ao aniversário da empreitada. Em seu website podemos encontrar a descrição, ora resumida: “a Vinícola Aurora, maior e mais premiada vinícola do Brasil, lança o vinho Aurora 75 em comemoração aos 75 anos de sua fundação. É uma homenagem às 16 famílias produtoras de uvas, que em 14 de fevereiro de 1931 iniciaram este empreendimento.”
Nesse caminho, optamos por uma degustação 100% nacional, e exclusivamente dedicada à Vinícola Aurora.
Pois bem, encontrado o motivo e reunidas as pessoas em pleno feriado de Corpus Christi, deu-se início aos trabalhos. Qualquer reunião serve de incentivo para os dotes culinários de minha querida esposa, que logo se pôs a preparar algo simples, mas plenamente satisfatório aos paladares mais exigentes: penne tricolore ao molho a moda da Ligúria e carne all’albese. Este último prato já foi apreciado aqui em casa e apontado no blog em fevereiro de 2006, sendo de preparo fácil, mas finalizado com um toque de classe: trufas brancas polvilhadas minutos antes de servir.
A ordem de serviço, a bem da verdade, se deu assim: por volta de 20h15min já nos encontrávamos instalados nos sofás da sala, escutando jazz clássico e jogando as primeiras conversas fora. O primeiro tasting da noite foi o Aurora Espumante Brut - Método Charmat, premiado na França em 2004 com a medalha de prata, na competição “Chardonnays do Mundo”. Elaborado exclusivamente com uvas Chardonnay, pelo método Charmat longo (ou seja, um período prolongado de contato com as leveduras) com passagem por carvalho francês, revelando excelente estrutura e complexidade. Apresenta coloração amarelo palha dourado e, na boca acidez pronunciada harmonizada com toques de frutas e tostados. Ideal para acompanhar aperitivos e diversos pratos à base de peixes e frutos do mar, massas e risotos, queijos, assados e grelhados de carnes brancas.
Com o Espumante branco, consumimos queijos Estepe e Brie, por sugestão da revista brasileira “Vinho” www.vinhomagazine.com.br, outra descoberta do acaso que Ana e eu fizemos recentemente, durante nossa viagem a São Paulo para renovar o visto americano. O Espumante foi servido bem resfriado, mantendo seu frescor e limpando nariz e boca para o pequeno intervalo, ou pequena sobremesa, por melhor dizer: queijo Roquefort com vinho doce. A recomendação para esse queijo classudo é harmonizá-lo com Tokay, Porto ou Sauternes, mas nosso destino eram os brasileiros. Atacamos com o Aurora Varietal Colheita Tardia, das uvas Semillon e Malvasia Bianca – super amadurecidas após verões com grandes estiagens, impondo tonalidade amarelo-ouro e com corpo próprio, doce e aveludado. O produtor menciona ainda, aromas de flores do campo e frutas secas, tendo final levemente amargo, lembrando amêndoas. A surpresa foi geral, e a combinação, por mais estranha que possa parecer, gerou resultado que superou as expectativas.
Abandonamos a sala e sentamo-nos à mesa. Os pratos foram servidos e, afinal, o “Aurora 75” teve sua oportunidade. Achei curioso frisar aos convivas que a própria empresa tinha interesse em conhecer nossa opinião. O vinho estava climatizado, com temperatura ao redor de 15 graus, e servido, demorou um pouco para crescer nas taças. A empresa diz, a respeito das qualidades do vinho: “é um corte das melhores uvas Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc (Bordeaux-style, França) da safra 2002, selecionadas. Antonio Czarnobay, enólogo-chefe, diz tratar-se de um vinho superior, rubi escuro com tonalidades vivas. Seu aroma é frutado, muito bem equilibrado, com discreta presença de madeira, resultado da passagem por barricas de carvalho francês e americano. Muito bem estruturado com taninos macios, redondo, com elegante retrogosto e muito agradável. Está pronto para beber, mas apresenta um excelente potencial de guarda.” Com a experiência positiva que adquirimos no decorrer dos últimos meses, chegamos à conclusão de que, talvez, seja necessário guardar o vinho por um tempo um pouco maior. Isto ficou mais evidente ao compararmos o “Aurora 75” com o Cabernet Sauvignon Millésime 1999. Na linha evolutiva dos vinhos experimentados, o Millésime chegou como a maior surpresa. Na mesma faixa de preços, podemos encontrar alguns chilenos com melhor retorno, no que diz respeito a benefícios. Exemplos? Os “Casillero Del Diablo” da casa chilena Concha y Toro.
Mas, deixemos de lado as comparações e vamos nos focar sobre o Aurora 75. Sem sustos, é realmente equilibrado, com corpo médio, faltando talvez um pouco mais de consistência. Para alcançar o Bordeaux-style mencionado pelo enólogo da empresa, faltou um pouco do bouquet tão característico. Os taninos aparecem mais ao final e não incomodam. É possível sentir a madeira e algumas vezes, ao nariz, sentimos um pouco de especiarias, ou mais especialmente, pimenta (pimenta-do-reino, cravo). Presente ainda o aroma de terra queimada, oriundo do corte com a Cabernet Franc, e que deve se suavizar em breve. Talvez mais uns dois anos em garrafa, e alcance o objetivo pretendido pela empresa. Sabemos que a safra 2002 deve ser reservada e que a vindima foi muito boa.
Na seqüência, passamos à carne all’albese e o Cabernet Sauvignon Millesime 1999, em uma grande harmonização. Vamos à receita do prato, em italiano, mas extremamente simples e de fácil compreensão, mesmo para quem não tem contato com a língua: Carne all'albese – Preparazione: tritare grossolanamente la carne (em nacos) e metterla in una ciotola (travessa). Grattugiare l'aglio e unirlo alla carne. Condire con sale, pepe (pimenta), olio e succo di limone e mescolare bene. Stendere la carne su un piatto da portata, affettarvi sopra il tartufo e servire súbito. Ingredienti e dosi per 4 persone: 600 g di coscia di vitello; 1 spicchio di aglio; 1/2 limone (succo); Tartufo bianco d'alba; 3 cucchiai (colheres) di olio d'oliva extra-vergine; sale e pepe. Curiosamente, enquanto Ana e eu (ao momento em que finalizamos esta postagem) pesquisávamos mais sobre o prato, descobrimos que ele deve ser consumido cru!! E nas duas vezes em que preparado aqui, o foi com cozimento em forno... Adaptação brasileira para quem não está acostumado a consumir carne crua.
Quanto ao molho que Ana preparou para o macarrão, à moda da Ligúria, com tomates crus, azeitonas, alcaparras e anchovas. Combina apenas com massas secas e cozinha-se a si próprio, não devendo ser levado ao fogo. A receita completa está em “La Cucina”, livro de Marcella Hazan, Editora Companhia das Letras.
E o Cabernet Sauvignon (simplesmente “cab” como dizem os californianos)? Eis o descritivo da própria Cooperativa, ligeiramente sintetizado: “engarrafado no outono de 2002, em ponto ideal de maturação, com passagem de dez meses por barricas de carvalho francês e americano. Apresenta uma cor profunda, rubi intenso, com tonalidade ainda viva. Aroma de características frutadas, de frutas vermelhas maduras, levemente herbáceo, evoluindo para um bouquet mesclando a baunilha proveniente do carvalho, com chocolate e leve toque de café. Possui excelente estrutura, com boa presença de taninos e ótima persistência. É agradável na boca, macio e aveludado, perfeitamente equilibrado e harmônico. Os taninos estão presentes e evidentes provando que se trata de um vinho de guarda, com excelente potencial de envelhecimento. Um verdadeiro Millésime”. Este poderoso tinto nacional impressionou o “xará” que logo se dispôs a adquirir uma garrafa, cônscio que se encontrava das encomendas que faço habitualmente com a Cooperativa Vinícola Aurora. E o Millésime se tornou o padrão de referência da noite, porque na opinião unânime dos quatro, deixou o “Aurora 75” bem atrás, em termos de performance. O Millésime, com sua característa mais frutada, trouxe-me ao nariz algo como amora ou cassis, além da presença mais personalizada da madeira, tendendo à baunilha e chocolate. Assombrou-nos, ao final de contas, a relação custo-benefício, independentemente da origem, porque esta garrafa, em particular, estava realmente espetacular para um vinho brasileiro.
E foi mais ou menos isto que tivemos nessa noite de 15 de junho de 2006, encerrando com uma torta de sorvete generosamente presenteada pelos visitantes, com uma única extravagância: um cálice de vinho do Porto Krohn Vintage 1966 (o ano em que Ana e eu nascemos). O Victor ainda passou a língua sobre uma minúscula quantidade de Grappa Cabernet Sauvignon Aurora, e gostou. É isso aí... Até a próxima...
Aconteceu no dia 15 de junho de 2006. Lúcia precisava fazer a “comidinha da mamãe” para as crias, o que é absolutamente essencial em feriados prolongados. O Pedro e a Sonia sumiram do mapa, nem secretaria eletrônica eles deixaram em casa. Mas, havia vida inteligente na cidade, e lá fomos nós atrás do “xará”, que concordou em vir a nossa casa na companhia da digníssima consorte. Já havia tempo que Ana e eu queríamos experimentar um novo vinho tinto produzido pela Cooperativa Vinícola Aurora: o “Aurora 75” em comemoração ao aniversário da empreitada. Em seu website podemos encontrar a descrição, ora resumida: “a Vinícola Aurora, maior e mais premiada vinícola do Brasil, lança o vinho Aurora 75 em comemoração aos 75 anos de sua fundação. É uma homenagem às 16 famílias produtoras de uvas, que em 14 de fevereiro de 1931 iniciaram este empreendimento.”
Nesse caminho, optamos por uma degustação 100% nacional, e exclusivamente dedicada à Vinícola Aurora.
Pois bem, encontrado o motivo e reunidas as pessoas em pleno feriado de Corpus Christi, deu-se início aos trabalhos. Qualquer reunião serve de incentivo para os dotes culinários de minha querida esposa, que logo se pôs a preparar algo simples, mas plenamente satisfatório aos paladares mais exigentes: penne tricolore ao molho a moda da Ligúria e carne all’albese. Este último prato já foi apreciado aqui em casa e apontado no blog em fevereiro de 2006, sendo de preparo fácil, mas finalizado com um toque de classe: trufas brancas polvilhadas minutos antes de servir.
A ordem de serviço, a bem da verdade, se deu assim: por volta de 20h15min já nos encontrávamos instalados nos sofás da sala, escutando jazz clássico e jogando as primeiras conversas fora. O primeiro tasting da noite foi o Aurora Espumante Brut - Método Charmat, premiado na França em 2004 com a medalha de prata, na competição “Chardonnays do Mundo”. Elaborado exclusivamente com uvas Chardonnay, pelo método Charmat longo (ou seja, um período prolongado de contato com as leveduras) com passagem por carvalho francês, revelando excelente estrutura e complexidade. Apresenta coloração amarelo palha dourado e, na boca acidez pronunciada harmonizada com toques de frutas e tostados. Ideal para acompanhar aperitivos e diversos pratos à base de peixes e frutos do mar, massas e risotos, queijos, assados e grelhados de carnes brancas.
Com o Espumante branco, consumimos queijos Estepe e Brie, por sugestão da revista brasileira “Vinho” www.vinhomagazine.com.br, outra descoberta do acaso que Ana e eu fizemos recentemente, durante nossa viagem a São Paulo para renovar o visto americano. O Espumante foi servido bem resfriado, mantendo seu frescor e limpando nariz e boca para o pequeno intervalo, ou pequena sobremesa, por melhor dizer: queijo Roquefort com vinho doce. A recomendação para esse queijo classudo é harmonizá-lo com Tokay, Porto ou Sauternes, mas nosso destino eram os brasileiros. Atacamos com o Aurora Varietal Colheita Tardia, das uvas Semillon e Malvasia Bianca – super amadurecidas após verões com grandes estiagens, impondo tonalidade amarelo-ouro e com corpo próprio, doce e aveludado. O produtor menciona ainda, aromas de flores do campo e frutas secas, tendo final levemente amargo, lembrando amêndoas. A surpresa foi geral, e a combinação, por mais estranha que possa parecer, gerou resultado que superou as expectativas.
Abandonamos a sala e sentamo-nos à mesa. Os pratos foram servidos e, afinal, o “Aurora 75” teve sua oportunidade. Achei curioso frisar aos convivas que a própria empresa tinha interesse em conhecer nossa opinião. O vinho estava climatizado, com temperatura ao redor de 15 graus, e servido, demorou um pouco para crescer nas taças. A empresa diz, a respeito das qualidades do vinho: “é um corte das melhores uvas Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc (Bordeaux-style, França) da safra 2002, selecionadas. Antonio Czarnobay, enólogo-chefe, diz tratar-se de um vinho superior, rubi escuro com tonalidades vivas. Seu aroma é frutado, muito bem equilibrado, com discreta presença de madeira, resultado da passagem por barricas de carvalho francês e americano. Muito bem estruturado com taninos macios, redondo, com elegante retrogosto e muito agradável. Está pronto para beber, mas apresenta um excelente potencial de guarda.” Com a experiência positiva que adquirimos no decorrer dos últimos meses, chegamos à conclusão de que, talvez, seja necessário guardar o vinho por um tempo um pouco maior. Isto ficou mais evidente ao compararmos o “Aurora 75” com o Cabernet Sauvignon Millésime 1999. Na linha evolutiva dos vinhos experimentados, o Millésime chegou como a maior surpresa. Na mesma faixa de preços, podemos encontrar alguns chilenos com melhor retorno, no que diz respeito a benefícios. Exemplos? Os “Casillero Del Diablo” da casa chilena Concha y Toro.
Mas, deixemos de lado as comparações e vamos nos focar sobre o Aurora 75. Sem sustos, é realmente equilibrado, com corpo médio, faltando talvez um pouco mais de consistência. Para alcançar o Bordeaux-style mencionado pelo enólogo da empresa, faltou um pouco do bouquet tão característico. Os taninos aparecem mais ao final e não incomodam. É possível sentir a madeira e algumas vezes, ao nariz, sentimos um pouco de especiarias, ou mais especialmente, pimenta (pimenta-do-reino, cravo). Presente ainda o aroma de terra queimada, oriundo do corte com a Cabernet Franc, e que deve se suavizar em breve. Talvez mais uns dois anos em garrafa, e alcance o objetivo pretendido pela empresa. Sabemos que a safra 2002 deve ser reservada e que a vindima foi muito boa.
Na seqüência, passamos à carne all’albese e o Cabernet Sauvignon Millesime 1999, em uma grande harmonização. Vamos à receita do prato, em italiano, mas extremamente simples e de fácil compreensão, mesmo para quem não tem contato com a língua: Carne all'albese – Preparazione: tritare grossolanamente la carne (em nacos) e metterla in una ciotola (travessa). Grattugiare l'aglio e unirlo alla carne. Condire con sale, pepe (pimenta), olio e succo di limone e mescolare bene. Stendere la carne su un piatto da portata, affettarvi sopra il tartufo e servire súbito. Ingredienti e dosi per 4 persone: 600 g di coscia di vitello; 1 spicchio di aglio; 1/2 limone (succo); Tartufo bianco d'alba; 3 cucchiai (colheres) di olio d'oliva extra-vergine; sale e pepe. Curiosamente, enquanto Ana e eu (ao momento em que finalizamos esta postagem) pesquisávamos mais sobre o prato, descobrimos que ele deve ser consumido cru!! E nas duas vezes em que preparado aqui, o foi com cozimento em forno... Adaptação brasileira para quem não está acostumado a consumir carne crua.
Quanto ao molho que Ana preparou para o macarrão, à moda da Ligúria, com tomates crus, azeitonas, alcaparras e anchovas. Combina apenas com massas secas e cozinha-se a si próprio, não devendo ser levado ao fogo. A receita completa está em “La Cucina”, livro de Marcella Hazan, Editora Companhia das Letras.
E o Cabernet Sauvignon (simplesmente “cab” como dizem os californianos)? Eis o descritivo da própria Cooperativa, ligeiramente sintetizado: “engarrafado no outono de 2002, em ponto ideal de maturação, com passagem de dez meses por barricas de carvalho francês e americano. Apresenta uma cor profunda, rubi intenso, com tonalidade ainda viva. Aroma de características frutadas, de frutas vermelhas maduras, levemente herbáceo, evoluindo para um bouquet mesclando a baunilha proveniente do carvalho, com chocolate e leve toque de café. Possui excelente estrutura, com boa presença de taninos e ótima persistência. É agradável na boca, macio e aveludado, perfeitamente equilibrado e harmônico. Os taninos estão presentes e evidentes provando que se trata de um vinho de guarda, com excelente potencial de envelhecimento. Um verdadeiro Millésime”. Este poderoso tinto nacional impressionou o “xará” que logo se dispôs a adquirir uma garrafa, cônscio que se encontrava das encomendas que faço habitualmente com a Cooperativa Vinícola Aurora. E o Millésime se tornou o padrão de referência da noite, porque na opinião unânime dos quatro, deixou o “Aurora 75” bem atrás, em termos de performance. O Millésime, com sua característa mais frutada, trouxe-me ao nariz algo como amora ou cassis, além da presença mais personalizada da madeira, tendendo à baunilha e chocolate. Assombrou-nos, ao final de contas, a relação custo-benefício, independentemente da origem, porque esta garrafa, em particular, estava realmente espetacular para um vinho brasileiro.
E foi mais ou menos isto que tivemos nessa noite de 15 de junho de 2006, encerrando com uma torta de sorvete generosamente presenteada pelos visitantes, com uma única extravagância: um cálice de vinho do Porto Krohn Vintage 1966 (o ano em que Ana e eu nascemos). O Victor ainda passou a língua sobre uma minúscula quantidade de Grappa Cabernet Sauvignon Aurora, e gostou. É isso aí... Até a próxima...
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