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EM DEFESA DA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
Jorge Luiz Souto Maior(*)
“Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É.”
(O que – Titãs)
A ampliação da competência da Justiça do Trabalho, ditada pela EC n. 45 de 2004, no que diz respeito à expressão “relação de trabalho”, tem suscitado muitas dúvidas e, por conseqüência, muitos debates. Das manifestações até aqui expostas podem ser divididas as posições adotadas em quatro correntes.
Para a primeira corrente, tudo que envolva trabalho, independe da natureza das pessoas envolvidas (natural ou jurídica) ou da forma da prestação do serviço, está, agora, sob a competência da Justiça do Trabalho.
A segunda corrente vai na mesma linha, apenas excluindo a tutela para os prestadores de serviços pessoas jurídicas. Admite, portanto, o processamento na Justiça de Trabalho de conflitos envolvendo relação de consumo, mesmo sem o critério da hipossuficiência do prestador ou da continuidade na relação.
A terceira, mais restritiva, além de exigir a pessoalidade na prestação de serviço, ainda estabelece como pressuposto da competência da Justiça do Trabalho, que o prestador de serviço esteja sob dependência econômica do tomador dos seus serviços ou que haja, pelo menos, uma continuidade nesta prestação.
A quarta corrente recusa à expressão “relação de trabalho”, trazida no inciso I qualquer caráter inovador com relação ao que já constava do mesmo artigo 114 antes da edição da EC 45, ou seja, que continuariam na competência da Justiça do Trabalho apenas os conflitos decorrentes da relação de emprego.
Posicionei-me, inicialmente, nos moldes da terceira corrente, também chamada de restritiva, mas queria neste texto, publicamente, rever minha posição. Considerava que a melhor interpretação que se poderia dar à expressão “relação de trabalho”, para fins de determinar a competência da Justiça do Trabalho, seria uma interpretação restritiva, para atender a sua característica de ser uma justiça especializada, voltada a um conflito com peculiaridades próprias. Entretanto, lendo ou ouvindo as manifestações da primeira e da segunda correntes pude perceber que aqueles que, como eu, se recusavam a dar um sentido amplo à expressão passaram a ser considerados conservadores ou “reacionários”[1] e que estariam negando o princípio da dignidade humana aos profissionais liberais[2]; estariam deixando sem proteção jurídica e sem acesso à justiça várias pessoas que estão alijadas do mercado formal de trabalho[3]; e, por conseqüência, estariam impedindo que a Justiça do Trabalho, diante dos “novos paradigmas” da produção moderna, pudesse cumprir seu papel de dar plena efetividade ao princípio do valor social do trabalho, distribuindo a verdadeira justiça social[4].
Por considerar que não devemos transformar esse debate em questão pessoal, como se buscássemos o mérito de estar com a razão, fechando-se para outros argumentos, à semelhança de um embate fundamentalista, que recusa avanços na perspectiva dialética, e, sobretudo, porque não quero, de maneira nenhuma, passar para a história como alguém que, de alguma forma, posicionou-se contra a efetivação do princípio da dignidade humana, não tenho nenhum tipo de constrangimento em dizer que os argumentos da corrente ampliativa convenceram-me. Revejo, assim, minha manifestação inicial.
Aliás, faço esta reconsideração com imensa alegria, primeiro, porque a partir de agora não serei mais retrógrado, conservador ou reacionário e sim moderno e avançado, e, segundo, porque deixarei de encabeçar uma corrente, para ser um seguidor, engrossando a enorme fileira de doutrinadores e juízes do trabalho, que, com suas manifestações, deixaram clara a noção de que a Justiça do Trabalho possui uma vocação natural, que se reverte em autêntica missão, qual seja: a proteção do valor social do trabalho e da dignidade humana.
É claro que eu não poderia ficar de fora dessa, pois a partir de agora passa a ser justo antever um grande e motivador movimento de redenção da Justiça do Trabalho, com a difusão do compromisso que se está assumindo com a cumprimento da missão mencionada.
Este autêntico espírito altruísta, voltado à proteção do ser humano e do valor social do trabalho, certamente, fará com que a Justiça do Trabalho doravante:
a) proteja a dignidade humana dos profissionais liberais, conferindo-lhes acesso à célere prestação jurisdicional trabalhista, para cobrar seus honorários de empresas, clientes ou pacientes (mesmo em relações de consumo);
b) preserve, igualmente, a dignidade humana de empresas, clientes ou pacientes frente aos atos “repressores” dos profissionais liberais;
c) confira direitos trabalhistas (embora não todos, como se diz) a trabalhadores parassubordinados ou independentes, que se encontram no mercado informal.
Mas, pessoalmente, confesso, minha alegria de participar desse movimento é maior pela convicção de que esta vocação protecionista do valor social do trabalho e da dignidade humana, com realce ao princípio de que o homem não é mercadoria de comércio, certamente não se restringirá às novas relações de trabalho que agora vêm para a competência da Justiça do Trabalho, repercutindo, igualmente, pelas mesmíssimas razões, na nossa velha conhecida: a relação de emprego.
Prenuncia-se, assim, um futuro bastante auspicioso da Justiça do Trabalho, também no que tange às relações de emprego, que terá como efeito:
a) a preservação do interesse público no reconhecimento da relação de emprego em relações de trabalho em que apenas se busca mascarar a exploração do capital sobre o trabalho. Esta nova Justiça, certamente, não se deixará impressionar pelas aparências enganosas dos ditos “novos paradigmas” do processo produtivo, pois sua vocação protecionista verá antes de tudo a necessidade da proteção do ser humano e não as “exigências do mercado”. Ao cabo, declarará fraudulentas, reconhecendo a existência da relação de emprego (para a aplicação do modelo jurídico protetor do trabalho na sua potencialidade máxima e não parcialmente como se anuncia no que tange às relações parassubordinadas) nas hipóteses de mascaramento da exploração, tais como: cooperativas de trabalho; trabalhadores travestidos de pessoas jurídicas...
b) a necessária identificação da responsabilidade entre empresas nas produções realizadas com “cooperação” empresarial de forma horizontal, pois estas fórmulas muitas vezes se institucionalizam apenas para deixar o capital longe do trabalho, com o fim de dificultar a identificação da exploração. O capital se vale do trabalho, mas sem se mostrar às claras e, assim, acaba não tendo qualquer responsabilidade social. Mas, a Justiça do Trabalho, vocacionada, não se restringirá, por exemplo, a dizer que a pessoa que costura meias ou calçados em sua casa para uma outra pessoa, igualmente, miserável, tem direitos. Perseguirá a responsabilização da empresa que ostenta o capital e para quem, efetivamente, essas meias ou calçados são costurados. Aliás, conferirá proteção social, frente à grande empresa que está por detrás daquela atividade econômica, igualmente, àquele que apenas aparentemente detém a condição de “empresário”...
c) a revisão de vários de seus posicionamentos referentes a situações comuns nas relações de emprego, até porque se não se conseguisse efetivar a proteção do ser humano nas relações de emprego não seria possível supor que se o conseguiria realizar em outros tipos de relações de trabalho. Mas, como a ampliação da competência se baseia na adoção de uma nova postura protetiva, isto implicará mudanças na jurisprudência, especialmente, quanto a alguns aspectos, como os abaixo enumerados, de forma exemplificativa:
1. terceirização: claro esta nova Justiça vocacionada para a proteção do ser humano, saberá reconhecer o equívoco do enunciado 331, do TST, que transforma o empregado em coisa (“coisificação” do ser humano). Declarará nula qualquer tipo de intermediação de mão-de-obra, afirmando o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços seja em atividade-fim, seja em atividade-meio, pois o ser humano não pode ser mercantilizado. A terceirização, assim, será restrita a prestações de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as duas empresas;
2. Acumulação de adicionais: como o princípio é o da proteção do ser humano, consubstanciado, por exemplo, na diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, não há o menor sentido continuar-se dizendo que o pagamento de um adicional “quita” a obrigação quanto ao pagamento de outro adicional. Se um trabalhador trabalha em condição insalubre, por exemplo, ruído, a obrigação do empregador de pagar o respectivo adicional de insalubridade não se elimina pelo fato de já ter este mesmo empregador pago ao empregado adicional de periculosidade pelo risco de vida que o impôs. Da mesma forma, o pagamento pelo dano à saúde, por exemplo, perda auditiva, nada tem a ver com o dano provocado, por exemplo, pela radiação. Em suma, para cada elemento insalubre é devido um adicional, que, por óbvio, acumula-se com o adicional de periculosidade, eventualmente devido. Assim, dispõe, aliás, a Convenção 155, da OIT, ratificada pelo Brasil;
3. Adicional de insalubridade sobre a remuneração: a eliminação dos riscos à saúde é um bem jurídico protegido constitucionalmente. O ideal é que por ações inibitórias se eliminem os riscos, mas não tendo ocorrido, a repercussão econômica deve ser a mais ampla possível, para justificar os investimentos que uma empresa teria que fazer para eliminar os riscos e não uma paga simbólica ao trabalhador pelo risco a que foi exposto. A Constituição, ademais, é clara neste sentido, fixando o direito ao adicional de remuneração pela insalubridade;
4. Adicional de penosidade: até hoje doutrina e jurisprudência consideram o direito em questão como de norma constitucional de eficácia limitada. Na nova postura adotada pela doutrina e jurisprudência, de proteção da dignidade humana, tal entendimento não mais se justifica, pois se pode a jurisprudência conferir direitos trabalhistas a quem não é empregado, com muito mais razão poderá ela conferir eficácia plena aos direitos já consagrados aos empregados, até porque não é difícil definir o que seja um trabalho penoso. Penoso é um trabalho que não apresenta riscos à saúde física, mas que, pelas suas condições adversas ao psíquico, acaba minando as forças e a alta estima do trabalhador, mais ou menos na linha do assédio moral. Aliás, o próprio assédio moral não é definido em lei e ninguém hoje dirá que não cabe ao trabalhador uma indenização por assédio moral. O trabalho penoso é uma espécie de assédio moral determinado pelas própria estrutura empresarial e não por ato pessoal de um superior hierárquico. Um exemplo, talvez, permita melhor a compreensão da idéia: outro dia fui a uma fábrica. As trabalhadoras faziam um serviço repetitivo durante oito horas por dia, sem previsão de rotatividade de tarefas, sem possibilidade de descanso e sem que tivessem sequer a visão da trabalhadora ao lado, porque envolvidas por um biombo trilateral. Se avaliada a situação sob a ótica da insalubridade e da periculosidade nada estava, pelo menos aparentemente, errado, mas o trabalho exercido daquela forma minava a trabalhadora por dentro, tanto que na própria avaliação do gerente de recursos humanos, só pessoas com baixíssima formação cultural se submetiam ao exercício daquele serviço...
5. Horas extras ordinárias: As horas extraordinárias, prestadas de forma ordinária, trata-se de uma esdrúxula prática que interfere, obviamente, na saúde dos trabalhadores[5] e mesmo na ampliação do mercado de trabalho. Aliás, trata-se de uma grande contradição: no país do desemprego as empresas utilizarem-se, de forma habitual, da prática do trabalho em horas extras e pior, na maioria das vezes, sem o pagamento do adicional respectivo[6].
O ato de uma empresa que exige horas extras, sem o respectivo pagamento, aos seus empregados, em princípio é apenas uma agressão aos direitos individuais desses empregados, cuja satisfação, portanto, deve ser buscada pelas vias normais da ação individual, ainda que em litisconsórcio ativo (dissídio plúrimo). Mas, se vista por outro lado, considerando a repercussão do custo da produção e a concorrência desleal que essa atitude provoca com relação a outras empresas do mesmo setor, que não se utilizam de tal prática, a prática em questão revela-se uma autêntica agressão consciente da ordem jurídica, surgindo o interesse social em inibi-la.
A inibição de tal prática tanto pode se dar por intervenção do Ministério Público do Trabalho, que pleitearia a sua paralisação por meio de ação civil pública, quanto pode ser imaginada pela interposição de ações com caráter indenizatório, movidas pelos empregados, para fins de desestimulá-la.
Importante explicar que a limitação ao adicional de 50%, para o pagamento das horas extras, somente tem sentido quando as horas extras são, efetivamente, horas extras, isto é, horas além da jornada normal, prestadas de forma extraordinária. Quando as horas extras se tornam ordinárias, deixa-se o campo da normalidade normativa para se adentrar o campo da ilegalidade e, neste sentido, apenas o pagamento do adicional não é suficiente para corrigir o desrespeito à ordem jurídica.
6. Gerentes e altos empregados (direito a horas extras): Não se justifica a exclusão dos altos empregados dos direitos ao limite da jornada de trabalho, aos períodos de descanso (inter e entrejornadas), ao descanso semanal remunerado e ao adicional noturno, por previsão do art. 62, II, da CLT. O problema é que este tipo de empregado (pressupondo, então, para fins de nossa investigação as situações fáticas e jurídicas em que o alto empregado se apresente como um autêntico empregado, isto é, um trabalhador subordinado) tem sido vítima, pelo mundo afora, de jornadas de trabalho excessivas. Eles estão, freqüentemente, conectados ao trabalho 24 horas por dia, 07 dias na semana, mediante a utilização dos meios modernos de comunicação: celular; pager; notebook; fax etc... Os altos empregados estão sujeitos a jornadas de trabalho extremamente elevadas, interferindo, negativamente em sua vida privada. Além disso, em função da constante ameaça do desemprego, são forçados a lutar contra a “desprofissionalização”, o que lhes exige constante preparação e qualificação, pois que o desemprego desses trabalhadores representa muito mais que uma desocupação temporária, representa interrupção de uma trajetória de carreira, vista como um plano de vida, implicando crise de identidade, humilhação, sentimento de culpa e deslocamento social. Em suma, a sua subordinação ao processo produtivo é intensa, corroendo sua saúde e desagregando sua família. Veja-se, por exemplo, que muitos sequer têm tido tempo para tirar férias, pois que, diante do quase inesgotável acesso a fontes de informações e por conta das constantes mutações das complexidades empresariais, ficar muitos dias desligado do trabalho representa, até mesmo, um risco para a manutenção do próprio emprego. Um primeiro e importante passo a ser dado na direção da humanização das relações de trabalho dos altos empregados é reconhecer que, mesmo tendo alto padrão de conhecimento técnico e sendo portadores de uma cultura mais elevada que o padrão médio dos demais empregados, não deixam de depender economicamente do emprego (aliás, há uma dependência até moral ao emprego, dada a necessidade natural de manutenção do seu status social) e que, por conta disso, submetem-se às regras do jogo capitalista para não perderem sua inserção no mercado. Sua sujeição às condições de trabalho que lhe são impostas pela lógica da produção é inevitável.
O direito do trabalho, sendo um centro de positivação da garantia dos direitos humanos, evidentemente, não deve encarar este fato como normal e estar alheio a ele, ou, pior, fixar normas que o legitime, pois o resultado é que uma geração inteira de pessoas qualificadas e que muito bem poderiam servir à sociedade de outro modo está sendo consumida no incessante ritmo alucinado do trabalho direcionado pelos comandos da produção moderna.
Juridicamente falando, a forma essencial de se reverter este quadro é integrar estes trabalhadores à proteção do limite da jornada de trabalho, consagrada, vale lembrar, desde o Tratado de Versalhes, 1919, com reforço que lhe fora dado pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1948. Além disso, os incisos XIII e XV do art. 7o, da CF/88, conferiram, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho.
7. Horas extras (trabalho externo): Diz-se, comumente, que os empregados que exercem trabalho externo não estão sujeitos ao limite de jornada de trabalho. No entanto, sobressai o direito da sociedade de que esses trabalhadores tenham sua jornada de trabalho limitada, sendo esta uma obrigação primária que se impõe ao empregador, por ser ele quem exige ou permite a execução de serviços por parte de seu empregado. Independente do que dispõe o inciso I, do art. 62, é importante atribuir ao empregador a obrigação de limitar a jornada de seus empregados, mesmo que trabalhem fora de seu estabelecimento. Recentemente, em uma reclamação trabalhista[7], um trabalhador, motorista de ônibus intermunicipal, pleiteou o recebimento de horas extras, declinando uma jornada de trabalho de cerca de 12 horas. A reclamada, em defesa, simplesmente disse que o reclamante exercia trabalho externo e que, portanto, sequer sabia apontar a quantidade de horas que o reclamante trabalhava, diariamente. Pense-se a questão, no entanto, sob o prisma da responsabilidade social: aquele trabalhador transportava vidas humanas a mando do empregador e segundo a versão do trabalhador seu trabalho era exercido além do limite que razoavelmente se poderia entender como necessário para a segurança de todos e o empregador sequer tinha o cuidado de se dar conta da quantidade de horas trabalhadas, apenas para demonstrar a inexistência de controle e, portanto, valer-se da previsão do inciso I, do artigo 62, da CLT, com o fito de evitar o pagamento de horas extras. No entanto, o fato concreto é que aquele empregador não só poderia controlar a jornada trabalhada por seu motorista como tinha o dever social de fazê-lo. Este controle, aliás, é sempre possível (basta lembrar dos caminhões que trazem a inscrição, “veículo rastreado por radar”) e sendo esta sua obrigação, recai sobre si o encargo da prova das horas de trabalho, em eventual discussão em juízo a seu respeito.
8. Banco de horas: O banco de horas, em absoluto, pode ser considerado constitucional, na medida em que permite que uma dívida trabalhista (o pagamento da hora extra) se pague com prazo de um ano e sem o respectivo adicional, quando se compensa uma hora extra com uma hora normal, sem falar nos efeitos perversos que esta incerteza de horários provoca no cotidiano dos trabalhadores. É evidente que o propósito da lei, de preservar os empregos em épocas sazonais, só poderia se concretizar com a fixação da regra de que primeiro se concedessem as folgas, para que depois estas se compensassem com horas extras, preservando-se sempre a diferença quantitativa entre a hora normal e a hora extra[8].
9. Revezamento 12x36 : o revezamento 12x36 fere, frontalmente, a Constituição e a lei. A lei não permite trabalho em horas extras de forma ordinária, como dito acima. E, se houver trabalho em hora extra, a jornada não pode ultrapassar a 10 horas. No regime de 12x36 há trabalho freqüente além de oito horas diárias, portanto, horas extras (o fato de ser remunerado como tal, ou não, não afeta a realidade, pois hora extra é a hora que ultrapassa o limite máximo da jornada normal) e há trabalho com jornada superior a 10 horas. O descanso a mais que se dá, com a folga no dia seguinte, primeiro não retira a ilegalidade e segundo, sob o aspecto fisiológico, não repõem a perda sofrida pelo organismo, ainda mais sabendo-se, como se sabe, que no dia seguinte o trabalhador não descansa, ocupando-se de outras atividades e mesmo vinculando-se a outro emprego. Uma jornada de 12 horas vai contra a todos os preceitos internacionais de direitos humanos.
10. Agressões reincidentes do direito do trabalho: várias empresas são reincidentes na prática de agressões aos direitos dos trabalhadores, agindo assim de forma deliberada e equacionando os lucros que obtêm com tal atitude. A Justiça do Trabalho, ao contrário do que deveria, acaba adotando com relação a estas empresas uma postura complacente e às vezes, diante do fato de estarem seus representantes ou advogados, em contato mais freqüente com a Justiça, acabam tendo um tratamento extremamente amistoso. São empresas-clientes da Justiça do Trabalho. Umas até “clientes preferenciais”, que em breve vão acabar reivindicando que seus “cartões” sejam pontuados em função do número de reclamações, para trocarem esses pontos por milhagens... Claro isto é apenas uma caricatura, mas que reflete, de certo modo, o que se passa no dia-a-dia da Justiça do Trabalho (Justiça e certas empresas “parceiras” no descumprimento do direito do trabalho). Mas, agora, fruto da revitalização do princípio protetor a nova Justiça do Trabalho fará o que já devia estar fazendo, tratar essas empresas como inimigas, não para ser contra o capital, mas para estar do lado das empresas que não comparecem na Justiça do Trabalho, exatamente, pelo fato de serem cumpridoras dos direitos trabalhistas. A nova Justiça do Trabalho, então, conferirá uma espécie de selo “Amiga da Justiça do Trabalho” a todas as empresas que não tiverem reclamações trabalhistas e às suas “clientes” dará um tratamento repressivo, condenando-as, pela reincidência, ao pagamento de indenizações por dano social, fixadas a partir dos parâmetros jurídicos criados pelos artigos 186, 187, 927 e 404, parágrafo único, do Código Civil, e, no aspecto processual, inverterá o ônus da prova, para que tais empresas provem que na situação posta em julgamento os fatos foram diversos daqueles tantos outros que o juiz já instruiu e julgou.
Nesta perspectiva de penalização pela utilização da Justiça do Trabalho como forma de incrementar o negócio a partir do não pagamento das dívidas trabalhistas, deve-se reconhecer que ao inadimplente contumaz não basta a determinação de reparar o dano com juros de 1% ao mês, não capitalizados. Para estes, na perspectiva do dano social, a pena deve ser maior. Com base na previsão contida no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil, os juros deves ser calculados pela taxa SELIC e no que tange às instituições financeiras, que emprestam a juros altíssimos (os maiores do mundo) o dinheiro que deixam de repassar aos trabalhadores, o índice deve ser, por aplicação do princípio da isonomia, o mesmo, qual seja, o do cheque especial.
11. Proteção contra dispensa arbitrária: Sob a nova perspectiva protetiva da dignidade humana, é crucial que se passe a considerar que a dispensa imotivada de trabalhadores não foi recepcionada pela atual Constituição Federal, visto que esta conferiu, no inciso I, do seu artigo 7o., aos empregados a garantia da “proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Ora, da previsão constitucional não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional. Mesmo que assim não fosse, é evidente que a inércia do legislador infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da proteção da dignidade humana (inciso III, do artigo 1o), especialmente quando a dispensa de empregados se configure como abuso de direito, o que, facilmente, se vislumbra quando um empregado é dispensado, sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de saúde provenientes de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando a dispensa é utilizada para permitir a contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma função com menor salário, ou vinculado a contratos precários ou a falsas cooperativas; ou seja, quando o pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza para simplesmente diminuir a condição social do trabalhador, ao contrário do que promete todo o aparato constitucional.
Neste sentido, vale lembrar das lições de Karl Larenz[9], há muito manifestadas, analisando as relações jurídicas sob o aspecto da teoria geral do direito, no sentido de que: a) a vinculação em uma dada relação jurídica não retira da parte o seu direito subjetivo fundamental, que é o direito da personalidade, que se insere no contexto da proteção da dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer pessoa; b) o exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o prevêem, encontra, naturalmente, seus limites na noção do abuso de direito e no princípio da boa fé.
Ora, logicamente, os direitos de personalidade são garantidos ao empregado na relação jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do empregador, sendo agressões nítidas a esses direitos o trabalho em condições desumanas e sobretudo a cessação abrupta e imotivada da relação jurídica, na medida em que perde o meio de sua subsistência, sem sequer saber o motivo para tanto.
Evidentemente, como explica o mesmo autor, não há a necessidade de uma regra específica para que direito subjetivo da personalidade seja exercido.
A noção de abuso do direito encerra o princípio de que o exercício de um direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo que o de causar prejuízo a outrem[10] e mesmo quando exercido de forma imoral[11].
No tocante à boa fé, esclarece Larenz que “sempre que exista entre pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a não fraudar a confiança natural do outro”[12].
Lembre-se, ademais, que nos termos do atual Código Civil, art. 187, comete ato ilícito aquele que, independentemente de culpa, titular de um direito, “ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
12. Doença profissional: Diz o artigo 118, da Lei n. 8.213/91, que será conferida estabilidade no emprego ao empregado acidentado no trabalho, desde o retorno à atividade, com a cessação do recebimento do benefício previdenciário do auxílio-doença acidentário, até um ano após esta data. Em situações de doença profissional, no entanto, o trabalhador mesmo acometido de algum mal pode continuar prestando serviços, até o momento em que, agravando-se o seu estado de saúde, o empregador o dispensa. Este trabalhador acaba, concretamente, não obtendo o benefício previdenciário, mas isto não o pode impedir de adquirir o direito à estabilidade, uma vez comprovado em juízo o nexo causal entre a sua doença e o trabalho exercido. A reintegração ao emprego, decorrente da aplicação deste direito se impõe e não meramente a condenação em indenização compensatória, equivalente ao valor dos salários de 12 (doze) meses. Em primeiro lugar, porque o direito previsto no artigo 118 da Lei n. 8.213/91 não é, propriamente, uma garantia de salários, mas uma garantia de emprego, o que torna nulo o ato da dispensa. Em segundo lugar, porque os efeitos da doença do trabalho e da doença profissional na saúde do trabalhador podem se alastrar por tempo superior a 12 (doze) meses e, desse modo, uma tal indenização não representaria a reparação do efetivo prejuízo suportado pelo trabalhador, que no período da perda da capacidade laborativa, certamente, não conseguirá novo emprego.
Pode ocorrer, até, que a redução da capacidade laborativa seja irreversível e isto representa uma diminuição sensível da possibilidade de se adquirir novo emprego, sem que tal circunstância confira a tal pessoa o direito a uma prestação previdenciária, notadamente, uma aposentadoria por invalidez, já que para tanto requer-se uma perda total da capacidade de trabalhar, nos termos do art. 42, da Lei n. 8.213/91.
Lembre-se, ainda, que esta pessoa, desempregada, que não recebe benefício previdenciário e que não tem muita perspectiva de novo emprego, no prazo máximo de 36 (trinta e seis) meses[13], contados da data da cessação do vínculo empregatício, perde a sua condição de segurado da previdência social, nos termos do § 2o., do art. 13, do Decreto n. 3.048, de 06 de maio de 1999, que regulamenta as leis previdenciárias.
E acrescente-se, com especial relevo, que o artigo 118, da Lei n. 8.213/91, menciona que o prazo de manutenção do contrato de trabalho do acidentado será de, no mínimo, 12 (doze) meses, exatamente para dar efetiva guarida aos casos de doença profissional e doença do trabalho, para que, em suma, a estabilidade dure enquanto perdurar a perda da capacidade laborativa.
Este entendimento ainda mais se justifica quando se lembra que nos termos da mesma Lei n. 8.213/91, as empresas devem reservar aos deficientes, após reabilitação, um percentual de suas vagas que varia de 2 a 5%: a) 2%, para as empresas com 100 a 200 empregados; b) 3%, de 201 a 500; c) 4%, de 501 a 1.000; d) 5%, acima de 1.000.
Destaque-se que esta estabilidade do trabalhador acidentado é devida tanto nos contratos a prazo indeterminado quanto nos contratos a prazo[14];
13. Intimidade-privacidade: As Cortes européias vêm dando preferência à preservação da intimidade do empregado, negando a possibilidade do empregador ter acesso às correspondências eletrônicas emitidas e recebidas pelo empregado no local de trabalho, a ponto de negar a possibilidade de dispensa do empregado por tal motivo (vide, neste sentido, decisão proferida pela Corte de Cassação francesa, em 02/10/01, n. W 99-42.942, que se baseou no artigo 8o. da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais).
Sob o prisma do direito nacional, encontra-se fundamento para a proteção do sigilo da comunicação realizada por e-mail no artigo 5o., inciso XII, da Constituição Federal.
Quando o empregado executa seus serviços em estabelecimento do empregador, que, obviamente, tem a sua organização, e utiliza os instrumentos de trabalho fornecidos pelo empregador, não é razoável que possa este empregado exercer a sua vida privada até o ponto de negar a existência de seu próprio estado de subordinação à ordem produtiva e mesmo a propriedade do empregador com relação aos meios de produção que lhe são postos à disposição.
Isto não quer dizer, no entanto, que o empregador possa, por vontade própria e ato unilateral (ou mesmo por disposição contratual), praticar ato que fira a intimidade do empregado, nem lhe furtar a possibilidade de se comunicar com o mundo externo, com intimidade, proibindo-lhe o acesso a telefone ou e-mail e mesmo monitorando suas ligações ou mensagens.
Ao se permitir que uma pessoa tenha acesso a mensagens de outra pessoa, emitidas em mecanismos que, naturalmente, trazem aspectos de intimidade, mesmo que o meio utilizado para a comunicação seja de propriedade daquele que monitora, abre-se uma porta muito perigosa em termos de direitos fundamentais, pois, na confrontação de valores, diz-se que o direito de propriedade sobressai sobre o direito à intimidade.
O problema, portanto, é o da flexibilização de um direito fundamental, o que, por certo, quando aceito, não se limita à hipótese concreta posta em discussão. Fixa-se um pressuposto jurídico perigoso que serve tanto para aquele caso em exame como para vários outros, extrapolando mesmo a mera relação de emprego, isto é, podendo atingir a todos os cidadãos em qualquer situação (pois o contrário seria discriminação: considerar que apenas a privacidade do empregado, porque subordinado, está sujeita a restrições). E, lembre-se: "onde passa um boi, passa uma boiada".
O mundo caminha para um novo arranjo social muito perigoso, em que certos valores (segurança, defesa da propriedade, disciplina vigiada) têm sido utilizados como justificativas para se flexibilizar o direito à privacidade e à intimidade. Há mesmo quem sustente, nesta linha de idéias, que até a tortura se justifica quando se tem a "suspeita" de que algo grave possa acontecer (os efeitos do poder de tortura todos conhecem, e os temos visto nos jornais).
Abrindo-se esta porta no mundo jurídico, legitima-se o monitoramento de toda a sociedade (o tempo todo, em qualquer lugar). Viveremos (e talvez estejamos caminhando para isto) em um grande "Big Brother" (com o perdão da repetição): "Sorria você está sendo filmado!"
Não se pode, em hipótese alguma, abrir esta porta. O ser humano precisa de sua intimidade e de sua privacidade e se isto é essencial ao ser humano é essencial para a sociedade, pois esta é composta de seres humanos.
Nunca é demais lembrar que a boa fé é o pressuposto das relações contratuais, assim como das próprias relações humanas. Ao se perder o vínculo de boa fé, perde-se o amálgama que justifica a convivência harmônica. Quando todos são delinqüentes (terroristas, transgressores etc) em potencial, não há sociedade possível. Não sou adepto da teoria da "guerra de todos contra todos", prefiro acreditar no homem bom, que se corrompe pelo meio. Ao se criar o pressuposto de que todos podem, para defender seus interesses (que serão sempre "maiores"), invadir a privacidade de outro, permitimos que o homem se corrompa neste sentido, passando a achar isto natural.
Ser, ou não, o meio de comunicação, ferramenta de trabalho altera a situação. O e-mail é ferramenta de trabalho, mas ao mesmo tempo serve ao indivíduo. Não é porque o empregador forneceu o equipamento que pode, por isto, invadir a privacidade do empregado que se manifesta por tal meio, naturalmente. Grotescamente falando: não é porque o empregador fornece o uniforme que pode pedir ao empregado que o tire imediatamente...
Todos desejam que a sua privacidade e a sua intimidade sejam preservadas de toda e qualquer invasão. Este princípio, por óbvio, serve, também, ao empregado. O empregador que ache outros meios de controlar a produção e preservar seu patrimônio. Nas decisões dessa Justiça do Trabalho, impulsionada pelo princípio da proteção da dignidade humana, ele não encontrará nenhuma brecha para atingir a privacidade e a intimidade de quem quer que seja.
Ainda sob o aspecto da proteção da intimidade, sobreleva a questão pertinente à vigilância por vídeos no local de trabalho. No ambiente do trabalho, evidentemente, esta situação só se justifica nos restritos limites da manutenção da segurança. Fora deste limite, as câmeras servem apenas para manter sob extremo controle o empregado, o que, evidentemente, não se insere dentro do poder de direção do empregador, ferindo, por conseqüência, o direito à intimidade do empregado.
14. Estágios: Os contratos de estágio podem até ter uma função social importante, que é a da inserção de estudantes ao mercado de trabalho. O problema que esta inserção se faz, conforme prevê a lei, com negação de direitos fundamentais, quais sejam, os direitos trabalhistas. A lei, portanto, na perspectiva da prevalência da dignidade humana e da proteção social do trabalho, é, notoriamente, inconstitucional, até porque, em verdade, seus propósitos há muito foram desviados. No fundo, os contratos de estágio, empiricamente, servem unicamente como alternativa para as empresas para utilização de mão-de-obra mais barata, o que se tem feito sem qualquer limite (havendo empresas que tem mais estagiários que empregados) e sem qualquer vinculação à formação profissional.
15. Trabalho infantil: O trabalho infantil, mais precisamente da pessoa com idade inferior a 16 anos não tem recebido um tratamento adequado da Justiça do Trabalho, mas isto, agora, está prestes a mudar. Diz-se que o contrato é nulo e que não há direitos. Outros dizem que é nulo, mas gerando apenas os direitos trabalhistas. Mesmo se reconhecermos a nulidade (o que no meu modo de ver não nega direitos, especialmente o do registro em Carteira) há de se condenar o explorador a pagar uma indenização, pois no caso o dano não é só financeiro, é de agressão à infância, que é um bem constitucionalmente preservado.
16. Trabalho doméstico: Na ótica da proteção da proteção social do trabalho, além de se garantir à diarista todos os direitos pertinentes à empregada doméstica, finalmente, se conferirá a esta, a integralidade os seguintes direitos: a) salário mínimo que for fixado por lei para todos os demais trabalhadores; b) irredutibilidade salarial; c) 13o. salário, integral e proporcional, na totalidade dos termos previstos na Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962; d) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, sendo, necessariamente, pelo menos um domingo por mês e com pagamento em dobro no descumprimento, na totalidade dos termos da Lei n. 605, de 05 de janeiro de 1949, que faz incidir também para os domésticos o direito a não trabalhar em dias feriados; e) férias de 30 (trinta) dias, integrais e proporcionais, com adicional de 1/3, incluindo a dobra no descumprimento, na totalidade dos termos dos artigos que integram o Capítulo IV da CLT; f) licença-gestante de 120 (cento e vinte) dias, sendo que esta licença é paga diretamente pelo INSS, nos termos da Lei n. 8.213/91, mas de responsabilidade do empregador quando por ato unilateral obste a aquisição deste direito; g) licença-paternidade de 05 (cinco) dias; h) aviso prévio de 30 (trinta) dias, incluindo o aviso prévio indenizado, no caso de seu descumprimento; i) aposentadoria, nos termos da Lei n. 8.213/91; j) multa do artigo 477, parágrafo 8o, da CLT; l) pena do art. 467, da CLT; m) estabilidade gestante desde a concepção até cinco meses após o parto (letra “b”, inciso II, do art. 10, do ADCT).
17. Prescrição: A prescrição de direitos trabalhistas, enquanto vigente a relação de emprego, é algo que, efetivamente, não se justifica dentro de uma ordem jurídica que estabeleça como princípio fundamental a proteção da dignidade humana.
Como dizem os clássicos doutrinadores civilistas, a prescrição não é um prêmio para o devedor, não é uma proteção do devedor, mas um limite que se impõe à ação do credor na busca de seu direito. Um limite do qual o direito se utiliza “para evitar que o credor possa negligenciar na cobrança da dívida, criando, assim, uma permanente situação de mal-estar para a sociedade” (Mozart Victor Russomano, Comentários à CLT, Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 53).
Ora, se assim é, não pode a prescrição trabalhista, igualmente, representar um prêmio para o empregador e, em concreto, aplicar-se um lapso prescricional durante a vigência de uma relação de emprego, ainda mais dentro de um quadro jurídico que, da forma como vem sendo aplicado, não garante o emprego. Uma tal situação significa conferir um benefício para o empregador que não cumpre direitos trabalhistas (sem beneficiar aos que cumprem), pois o exercício do direito de ação, por parte do empregado, para pleitear seus direitos, implica pôr em risco o seu bem maior que é o emprego. Daí porque a Justiça do Trabalho já foi apelidada da justiça do ex-empregado, na medida em que, verdadeiramente, somente após o término da relação de emprego é que os empregados (ou melhor, ex-empregados) buscam defender, em juízo, os seus direitos.
Assim, o lapso prescricional de 05 anos, previsto constitucionalmente, embora tenha, em tese, aplicação imediata, somente pode se aplicado efetivamente após cumprida a promessa constitucional da proteção do emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7o. I, da CF) – seja pela criação da lei complementar, seja pela consagração na doutrina e na jurisprudência da idéia de que a inércia do legislador não é capaz de impedir a eficácia de tal dispositivo, conforme sustentado acima – pois, do contrário, estar-se-ia ferindo, na realidade, o princípio da proteção da dignidade humana, jogando-se no lixo as garantias fundamentais do direito social.
Pode-se pensar que uma tal interpretação estaria fazendo letra morta do texto constitucional, mas parece-me que o contrário é que o faz. Ora, se foi o Constituinte quem quis e delimitou a prescrição dos direitos trabalhistas e esta sua vontade não pode ser desprezada, não se pode negar que esta sua vontade foi externada dentro de um contexto normativo que previa, igualmente, a proteção do emprego contra a dispensa arbitrária. Estas duas vontades do constituinte devem ser respeitadas e aplicadas conjuntamente visto que possuem relação de causa e efeito: os direitos prescrevem durante o curso da relação de emprego porque a relação de emprego é protegida, possibilitando, em concreto, ao empregado pleitear os seus direitos. Se ausente uma das condições, a outra não pode ser aplicada, sob pena de se criar um mero benefício ao descumpridor da ordem jurídica, sob o pretexto, falacioso e ilusionista, de que é o empregado que permite que seus direitos sejam descumpridos ao não ingressar com ação judicial para defendê-los.
18. Negociação “in pejus”: Na ótica da preservação dos princípios da proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho, os direitos trabalhistas são direitos fundamentais, não se subordinando, pois, à vontade das partes, mesmo quando representadas por entidades sindicais. A autonomia privada coletiva, por conseguinte, só tem campo de atuação para melhorar as condições de trabalho fixadas na lei, jamais para reduzir o seu alcance;
19. Acidente do trabalho: a obrigação de indenizar por ocorrência de acidente do trabalho não depende de prova da culpa. A responsabilidade é objetiva, conforme prevê o artigo 927, do Código Civil. A previsão constitucional, por óbvio, não limita este direito do acidentado, na medida em que a norma constitucional é de caráter mínimo, podendo, portanto, sem ampliada pela lei infraconstitucional, como se dá na presente situação.
Quanto à prescrição do dano moral decorrente do acidente do trabalho, importante destacar que o bem jurídico protegido é um direito da personalidade. O direito à personalidade decorre da relação jurídica básica que cada cidadão possui com todos os outros, independente da existência de uma relação jurídica específica. A pessoa não perde esse direito quando se integra a uma relação jurídica específica. O empregador é responsável por reparar o dano moral não por ser o empregador, juridicamente qualificado, mas por ser responsável pela reparação, na medida em que o empregado está sob sua subordinação. Não se trata, portanto, de um crédito trabalhista, mas de um bem jurídico a que todos os cidadãos têm direito, inclusive o empregado. A reparação deste bem não é uma reparação civil, pois seu fundamento é constitucional (art. 5o.). Basta avaliar as hipóteses mencionadas no § 3o., do art. 206, do CC, para verificar que não se autoriza vincular os danos ali mencionados ao dano decorrente de acidente do trabalho, cuja reparação está na própria origem do Estado Social e dos direitos humanos. No aspecto do benefício previdenciário, aliás, a idéia é a da imprescritibilidade do benefício, prescrevendo em cinco anos apenas as parcelas, mas jamais o direito de pleitear o benefício (auxílio-doença). Não cabe, portanto, a tese de que a prescrição, no direito civil, é de 03 anos, para os acidentes do trabalho e que, por isto, a trabalhista, qüinqüenal, é mais benéfica. A reparação do dano pessoal, decorrente de agressão a direito da personalidade, é, portanto, imprescritível. E, não se querendo ver isto, a prescrição, na pior das hipóteses, é a vintenária, para os casos anteriores à edição do novo Código Civil, ou decenária, para as posteriores.
20. Greve: A greve é fruto de um direito fundamental e sendo assim, na perspectiva da proteção da dignidade humana, não se permite à Justiça do Trabalho delimitar o alcance das reivindicações que por meio da greve pretendam fazer os trabalhadores;
21. Servidores públicos: no que tange às relações de trabalho com o ente público, independe de se perquirir sobre os servidores estatutários, isto é, falando apenas das relações que já se encontram sob a competência da Justiça do Trabalho, a visão protecionista da dignidade humana, implica: a) a supressão do Enunciado 363, TST (contratação sem concurso público); b) a supressão da OJ 247, TST (dispensa imotivada de empregados públicos); c) a declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º., da Lei n. 8.666-93, que nega responsabilidade ao Estado pelas dívidas trabalhistas em contratações por licitação, mesmo em se tratando de obras específicas (“dono da obra”); d) a negação de validade aos contratos de terceirização, para prestação de serviços, no setor público, por aplicação dos 39, 37, XXI e art. 247 da Constituição Federal; e) a consideração de que a greve é legítimo direito do servidor público, independe de uma lei que o regule; f) a consideração de que é possível o dissídio coletivo de natureza econômica para os servidores públicos, inclusive para reposição salarial; g) a declaração da nulidade pelos abusos cometidos nas contratações temporárias por excepcional interesse público;
22. Tutela antecipada: A tutela antecipada integra a concepção do processo como instrumento ético, buscando a pacificação, com justiça, dos conflitos sociais. A antecipação da tutela integra este contexto, visando equacionar o antigo dilema entre necessidade de celeridade do provimento jurisdicional e necessidade de assegurar ao demandado as conquistas já tradicionais do devido processo legal. Entretanto, o “standart” legal merece aplicação razoável, para que não se torne letra morta o pretendido avanço do direito processual, em prol da efetivação do direito material. Na Justiça do Trabalho, a tutela antecipada deve ser uma constante, sobretudo quando se está diante de verbas trabalhistas não pagas e quanto às quais não se tenham uma razoável controvérsia. O tempo do processo, para permitir o devido processo legal, nestes casos, não deve penalizar o reclamante que, por avaliação de evidência, tem razão. Pela tutela antecipa-se o efeito da prestação jurisdicional, conferindo-se ao reclamante, de uma vez, o bem da vida perseguido, mediante imposição de multa (“astreinte”) ao devedor. Quando a tutela for de evidência e se configurar atitude meramente protelatória do réu, tentando valer-se da morosidade processual para negar o cumprimento de obrigação alimentar, como é a trabalhista (sobretudo as verbas rescisórias), a concessão da tutela pode ser concedida “ex officio”;
23. Acordos: Na nova visão, está prestes a ser banida da realidade das Varas do Trabalho os acordos que representam autêntica renúncia a direitos, o que se demonstra, facilmente, quando não há controvérsia razoável de natureza fática ou jurídica a respeito do objeto da lide. Em suma, estão com os dias contados as conhecidas lides simuladas, ou “casadinhas”, pelas quais maus empregadores fazem da Justiça do Trabalho um apêndice de seu Departamento de Pessoal, com um quê, de Departamento Financeiro. Esta nova Justiça do Trabalho, certamente, não se submeterá a estes desvios de função e com a utilização da tutela antecipada “ex officio” saberá coibir tal prática, sem deixar sem resposta o interesse emergencial do reclamante. Assim, todo acordo será fruto de autêntica transação, não importando em renúncia a direitos ou desconsideração de normas de ordem pública, além de não mais trazerem a imoral e anti-jurídica cláusula da “quitação pelo extinto contrato de trabalho”;
24. Honorários advocatícios: Como não se prevê que a Justiça do Trabalho não faça uma ordem de classificação entre as ações, que ponha em segundo plano a relação de emprego, por óbvio, em todas as ações terá aplicabilidade o princípio da sucumbência, advindo daí, finalmente, a eliminação do inconcebível entendimento de que nas reclamações trabalhistas, em que se discutam direitos decorrentes de uma relação de emprego, não cabe a condenação em honorários advocatícios.
25. Não-discriminação: o princípio da não-discriminação, consagrado nas obras de direito do trabalho, nos Tratados internacionais de direitos humanos e na Constituição brasileira, será aplicado efetivamente nas relações de emprego, com a fixação de um postulado jurídico processual importantíssimo, qual seja, o da inversão do ônus da prova em situações em que notoriamente a discriminação se presuma. O ato que representa, presumidamente, uma conduta discriminatória teve ter, portanto, uma motivação específica, para que a discriminação não seja declarada e esta motivação deve ser provada, inequivocamente, pelo autor do ato.
Conclusão.
Como se pode ver, mesmo tendo que reconsiderar posição anterior, tenho pelo menos 25 razões para externar que minha alegria não poderia ser maior. Afinal, com o advento do espírito de proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho que se instaurou na esfera jurídica trabalhista a partir da publicação da Emenda Constitucional n. 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, todos os efeitos acima preconizados serão, certamente, produzidos em curto espaço de tempo. Não é mesmo? Ou será que os argumentos da proteção da dignidade humana e da valoração social do trabalho são apenas figuras de retórica para justificar a defesa da ampliação da competência que, no fundo, tem outros propósitos ou propósito nenhum...
Mas, não posso ter essa recaída agora, na medida em que é enorme a quantidade de juristas e juízes a garantir que a defesa da ampliação da competência da Justiça do Trabalho parte dos postulados em questão e é claro que como defensores da dignidade e, conseqüentemente, da ética, naturalmente, não trairão as suas idéias e farão com que tais princípios tenham incidência imediata e concreta nas relações de emprego.
Portanto, no embalo da presunção de veracidade das concretas mudanças de mentalidade e de postura da Justiça do Trabalho frente aos conflitos trabalhistas, com imensa alegria, vou à luta ecoando o coro:
A gente não quer só poder
A gente quer poder prá aliviar a dor!
São Paulo, 25 de junho de 2005.
(*) Juiz do Trabalho, titular da 3ª. Vara de Jundiaí-SP. Professor da Faculdade de Direito da USP.
[1]. Cf. Hugo Cavalcanti Melo Filho, “Nova competência da Justiça do Trabalho: Contra a interpretação reacionária da Emenda n. 45-2004”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 170-186.
[2]. Cf. Arion Sayão Romita, in palestra proferida no 13º. Congresso Goiano de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, realizado pelo IGT, nos dias 16 a 18 de junho de 2005.
[3]. Cf. Gustavo Tadeu Alkimim, “Nova competência da Justiça do Trabalho – perspectivas de um juiz especial para uma Justiça Especial”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 154.
[4]. Cf. Grijalbo Fernandes Coutinho, “Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho: mudança que contraria o perfil conservador da reforma do Judiciário”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 107.
[5]. Estudos revelam que o maior número de acidentes do trabalho se dá no momento em que o trabalhador está cumprindo horas extras.
[6]. Repare-se, a propósito, que a maioria das reclamações trabalhistas versa sobre trabalho em hora extra não remunerado.
[7]. Movida perante a 3a. Vara do Trabalho de Jundiaí/SP.
[8]. Para maiores argumentos neste sentido, vide, Jorge Luiz Souto Maior, ob. cit., “O direito do trabalho como instrumento de justiça social”, pp. 329-330
[9]. Derecho Civil – parte general. Tradução e notas de Miguel Izquierdo y Macías-Picaveva. Editorial Revista de Derecho Privado, Editoriales de Derecho Reunidas.
[10]. Larenz, ob. cit., p. 297.
[11]. Larenz, ob. cit., p. 298.
[12]. Larenz, ob. cit., p. 300.
[13]. Isso quando já tenha 120 (cento e vinte) meses de contribuição.
[14]. Vide, neste sentido, também, Denise Maria Schellenberger, “A estabilidade provisória do acidentado no trabalho e os contratos de experiência”, in Síntese Trabalhista, n.112, out/98, pp. 19-26.
Jorge Luiz Souto Maior(*)
“Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É.”
(O que – Titãs)
A ampliação da competência da Justiça do Trabalho, ditada pela EC n. 45 de 2004, no que diz respeito à expressão “relação de trabalho”, tem suscitado muitas dúvidas e, por conseqüência, muitos debates. Das manifestações até aqui expostas podem ser divididas as posições adotadas em quatro correntes.
Para a primeira corrente, tudo que envolva trabalho, independe da natureza das pessoas envolvidas (natural ou jurídica) ou da forma da prestação do serviço, está, agora, sob a competência da Justiça do Trabalho.
A segunda corrente vai na mesma linha, apenas excluindo a tutela para os prestadores de serviços pessoas jurídicas. Admite, portanto, o processamento na Justiça de Trabalho de conflitos envolvendo relação de consumo, mesmo sem o critério da hipossuficiência do prestador ou da continuidade na relação.
A terceira, mais restritiva, além de exigir a pessoalidade na prestação de serviço, ainda estabelece como pressuposto da competência da Justiça do Trabalho, que o prestador de serviço esteja sob dependência econômica do tomador dos seus serviços ou que haja, pelo menos, uma continuidade nesta prestação.
A quarta corrente recusa à expressão “relação de trabalho”, trazida no inciso I qualquer caráter inovador com relação ao que já constava do mesmo artigo 114 antes da edição da EC 45, ou seja, que continuariam na competência da Justiça do Trabalho apenas os conflitos decorrentes da relação de emprego.
Posicionei-me, inicialmente, nos moldes da terceira corrente, também chamada de restritiva, mas queria neste texto, publicamente, rever minha posição. Considerava que a melhor interpretação que se poderia dar à expressão “relação de trabalho”, para fins de determinar a competência da Justiça do Trabalho, seria uma interpretação restritiva, para atender a sua característica de ser uma justiça especializada, voltada a um conflito com peculiaridades próprias. Entretanto, lendo ou ouvindo as manifestações da primeira e da segunda correntes pude perceber que aqueles que, como eu, se recusavam a dar um sentido amplo à expressão passaram a ser considerados conservadores ou “reacionários”[1] e que estariam negando o princípio da dignidade humana aos profissionais liberais[2]; estariam deixando sem proteção jurídica e sem acesso à justiça várias pessoas que estão alijadas do mercado formal de trabalho[3]; e, por conseqüência, estariam impedindo que a Justiça do Trabalho, diante dos “novos paradigmas” da produção moderna, pudesse cumprir seu papel de dar plena efetividade ao princípio do valor social do trabalho, distribuindo a verdadeira justiça social[4].
Por considerar que não devemos transformar esse debate em questão pessoal, como se buscássemos o mérito de estar com a razão, fechando-se para outros argumentos, à semelhança de um embate fundamentalista, que recusa avanços na perspectiva dialética, e, sobretudo, porque não quero, de maneira nenhuma, passar para a história como alguém que, de alguma forma, posicionou-se contra a efetivação do princípio da dignidade humana, não tenho nenhum tipo de constrangimento em dizer que os argumentos da corrente ampliativa convenceram-me. Revejo, assim, minha manifestação inicial.
Aliás, faço esta reconsideração com imensa alegria, primeiro, porque a partir de agora não serei mais retrógrado, conservador ou reacionário e sim moderno e avançado, e, segundo, porque deixarei de encabeçar uma corrente, para ser um seguidor, engrossando a enorme fileira de doutrinadores e juízes do trabalho, que, com suas manifestações, deixaram clara a noção de que a Justiça do Trabalho possui uma vocação natural, que se reverte em autêntica missão, qual seja: a proteção do valor social do trabalho e da dignidade humana.
É claro que eu não poderia ficar de fora dessa, pois a partir de agora passa a ser justo antever um grande e motivador movimento de redenção da Justiça do Trabalho, com a difusão do compromisso que se está assumindo com a cumprimento da missão mencionada.
Este autêntico espírito altruísta, voltado à proteção do ser humano e do valor social do trabalho, certamente, fará com que a Justiça do Trabalho doravante:
a) proteja a dignidade humana dos profissionais liberais, conferindo-lhes acesso à célere prestação jurisdicional trabalhista, para cobrar seus honorários de empresas, clientes ou pacientes (mesmo em relações de consumo);
b) preserve, igualmente, a dignidade humana de empresas, clientes ou pacientes frente aos atos “repressores” dos profissionais liberais;
c) confira direitos trabalhistas (embora não todos, como se diz) a trabalhadores parassubordinados ou independentes, que se encontram no mercado informal.
Mas, pessoalmente, confesso, minha alegria de participar desse movimento é maior pela convicção de que esta vocação protecionista do valor social do trabalho e da dignidade humana, com realce ao princípio de que o homem não é mercadoria de comércio, certamente não se restringirá às novas relações de trabalho que agora vêm para a competência da Justiça do Trabalho, repercutindo, igualmente, pelas mesmíssimas razões, na nossa velha conhecida: a relação de emprego.
Prenuncia-se, assim, um futuro bastante auspicioso da Justiça do Trabalho, também no que tange às relações de emprego, que terá como efeito:
a) a preservação do interesse público no reconhecimento da relação de emprego em relações de trabalho em que apenas se busca mascarar a exploração do capital sobre o trabalho. Esta nova Justiça, certamente, não se deixará impressionar pelas aparências enganosas dos ditos “novos paradigmas” do processo produtivo, pois sua vocação protecionista verá antes de tudo a necessidade da proteção do ser humano e não as “exigências do mercado”. Ao cabo, declarará fraudulentas, reconhecendo a existência da relação de emprego (para a aplicação do modelo jurídico protetor do trabalho na sua potencialidade máxima e não parcialmente como se anuncia no que tange às relações parassubordinadas) nas hipóteses de mascaramento da exploração, tais como: cooperativas de trabalho; trabalhadores travestidos de pessoas jurídicas...
b) a necessária identificação da responsabilidade entre empresas nas produções realizadas com “cooperação” empresarial de forma horizontal, pois estas fórmulas muitas vezes se institucionalizam apenas para deixar o capital longe do trabalho, com o fim de dificultar a identificação da exploração. O capital se vale do trabalho, mas sem se mostrar às claras e, assim, acaba não tendo qualquer responsabilidade social. Mas, a Justiça do Trabalho, vocacionada, não se restringirá, por exemplo, a dizer que a pessoa que costura meias ou calçados em sua casa para uma outra pessoa, igualmente, miserável, tem direitos. Perseguirá a responsabilização da empresa que ostenta o capital e para quem, efetivamente, essas meias ou calçados são costurados. Aliás, conferirá proteção social, frente à grande empresa que está por detrás daquela atividade econômica, igualmente, àquele que apenas aparentemente detém a condição de “empresário”...
c) a revisão de vários de seus posicionamentos referentes a situações comuns nas relações de emprego, até porque se não se conseguisse efetivar a proteção do ser humano nas relações de emprego não seria possível supor que se o conseguiria realizar em outros tipos de relações de trabalho. Mas, como a ampliação da competência se baseia na adoção de uma nova postura protetiva, isto implicará mudanças na jurisprudência, especialmente, quanto a alguns aspectos, como os abaixo enumerados, de forma exemplificativa:
1. terceirização: claro esta nova Justiça vocacionada para a proteção do ser humano, saberá reconhecer o equívoco do enunciado 331, do TST, que transforma o empregado em coisa (“coisificação” do ser humano). Declarará nula qualquer tipo de intermediação de mão-de-obra, afirmando o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços seja em atividade-fim, seja em atividade-meio, pois o ser humano não pode ser mercantilizado. A terceirização, assim, será restrita a prestações de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as duas empresas;
2. Acumulação de adicionais: como o princípio é o da proteção do ser humano, consubstanciado, por exemplo, na diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, não há o menor sentido continuar-se dizendo que o pagamento de um adicional “quita” a obrigação quanto ao pagamento de outro adicional. Se um trabalhador trabalha em condição insalubre, por exemplo, ruído, a obrigação do empregador de pagar o respectivo adicional de insalubridade não se elimina pelo fato de já ter este mesmo empregador pago ao empregado adicional de periculosidade pelo risco de vida que o impôs. Da mesma forma, o pagamento pelo dano à saúde, por exemplo, perda auditiva, nada tem a ver com o dano provocado, por exemplo, pela radiação. Em suma, para cada elemento insalubre é devido um adicional, que, por óbvio, acumula-se com o adicional de periculosidade, eventualmente devido. Assim, dispõe, aliás, a Convenção 155, da OIT, ratificada pelo Brasil;
3. Adicional de insalubridade sobre a remuneração: a eliminação dos riscos à saúde é um bem jurídico protegido constitucionalmente. O ideal é que por ações inibitórias se eliminem os riscos, mas não tendo ocorrido, a repercussão econômica deve ser a mais ampla possível, para justificar os investimentos que uma empresa teria que fazer para eliminar os riscos e não uma paga simbólica ao trabalhador pelo risco a que foi exposto. A Constituição, ademais, é clara neste sentido, fixando o direito ao adicional de remuneração pela insalubridade;
4. Adicional de penosidade: até hoje doutrina e jurisprudência consideram o direito em questão como de norma constitucional de eficácia limitada. Na nova postura adotada pela doutrina e jurisprudência, de proteção da dignidade humana, tal entendimento não mais se justifica, pois se pode a jurisprudência conferir direitos trabalhistas a quem não é empregado, com muito mais razão poderá ela conferir eficácia plena aos direitos já consagrados aos empregados, até porque não é difícil definir o que seja um trabalho penoso. Penoso é um trabalho que não apresenta riscos à saúde física, mas que, pelas suas condições adversas ao psíquico, acaba minando as forças e a alta estima do trabalhador, mais ou menos na linha do assédio moral. Aliás, o próprio assédio moral não é definido em lei e ninguém hoje dirá que não cabe ao trabalhador uma indenização por assédio moral. O trabalho penoso é uma espécie de assédio moral determinado pelas própria estrutura empresarial e não por ato pessoal de um superior hierárquico. Um exemplo, talvez, permita melhor a compreensão da idéia: outro dia fui a uma fábrica. As trabalhadoras faziam um serviço repetitivo durante oito horas por dia, sem previsão de rotatividade de tarefas, sem possibilidade de descanso e sem que tivessem sequer a visão da trabalhadora ao lado, porque envolvidas por um biombo trilateral. Se avaliada a situação sob a ótica da insalubridade e da periculosidade nada estava, pelo menos aparentemente, errado, mas o trabalho exercido daquela forma minava a trabalhadora por dentro, tanto que na própria avaliação do gerente de recursos humanos, só pessoas com baixíssima formação cultural se submetiam ao exercício daquele serviço...
5. Horas extras ordinárias: As horas extraordinárias, prestadas de forma ordinária, trata-se de uma esdrúxula prática que interfere, obviamente, na saúde dos trabalhadores[5] e mesmo na ampliação do mercado de trabalho. Aliás, trata-se de uma grande contradição: no país do desemprego as empresas utilizarem-se, de forma habitual, da prática do trabalho em horas extras e pior, na maioria das vezes, sem o pagamento do adicional respectivo[6].
O ato de uma empresa que exige horas extras, sem o respectivo pagamento, aos seus empregados, em princípio é apenas uma agressão aos direitos individuais desses empregados, cuja satisfação, portanto, deve ser buscada pelas vias normais da ação individual, ainda que em litisconsórcio ativo (dissídio plúrimo). Mas, se vista por outro lado, considerando a repercussão do custo da produção e a concorrência desleal que essa atitude provoca com relação a outras empresas do mesmo setor, que não se utilizam de tal prática, a prática em questão revela-se uma autêntica agressão consciente da ordem jurídica, surgindo o interesse social em inibi-la.
A inibição de tal prática tanto pode se dar por intervenção do Ministério Público do Trabalho, que pleitearia a sua paralisação por meio de ação civil pública, quanto pode ser imaginada pela interposição de ações com caráter indenizatório, movidas pelos empregados, para fins de desestimulá-la.
Importante explicar que a limitação ao adicional de 50%, para o pagamento das horas extras, somente tem sentido quando as horas extras são, efetivamente, horas extras, isto é, horas além da jornada normal, prestadas de forma extraordinária. Quando as horas extras se tornam ordinárias, deixa-se o campo da normalidade normativa para se adentrar o campo da ilegalidade e, neste sentido, apenas o pagamento do adicional não é suficiente para corrigir o desrespeito à ordem jurídica.
6. Gerentes e altos empregados (direito a horas extras): Não se justifica a exclusão dos altos empregados dos direitos ao limite da jornada de trabalho, aos períodos de descanso (inter e entrejornadas), ao descanso semanal remunerado e ao adicional noturno, por previsão do art. 62, II, da CLT. O problema é que este tipo de empregado (pressupondo, então, para fins de nossa investigação as situações fáticas e jurídicas em que o alto empregado se apresente como um autêntico empregado, isto é, um trabalhador subordinado) tem sido vítima, pelo mundo afora, de jornadas de trabalho excessivas. Eles estão, freqüentemente, conectados ao trabalho 24 horas por dia, 07 dias na semana, mediante a utilização dos meios modernos de comunicação: celular; pager; notebook; fax etc... Os altos empregados estão sujeitos a jornadas de trabalho extremamente elevadas, interferindo, negativamente em sua vida privada. Além disso, em função da constante ameaça do desemprego, são forçados a lutar contra a “desprofissionalização”, o que lhes exige constante preparação e qualificação, pois que o desemprego desses trabalhadores representa muito mais que uma desocupação temporária, representa interrupção de uma trajetória de carreira, vista como um plano de vida, implicando crise de identidade, humilhação, sentimento de culpa e deslocamento social. Em suma, a sua subordinação ao processo produtivo é intensa, corroendo sua saúde e desagregando sua família. Veja-se, por exemplo, que muitos sequer têm tido tempo para tirar férias, pois que, diante do quase inesgotável acesso a fontes de informações e por conta das constantes mutações das complexidades empresariais, ficar muitos dias desligado do trabalho representa, até mesmo, um risco para a manutenção do próprio emprego. Um primeiro e importante passo a ser dado na direção da humanização das relações de trabalho dos altos empregados é reconhecer que, mesmo tendo alto padrão de conhecimento técnico e sendo portadores de uma cultura mais elevada que o padrão médio dos demais empregados, não deixam de depender economicamente do emprego (aliás, há uma dependência até moral ao emprego, dada a necessidade natural de manutenção do seu status social) e que, por conta disso, submetem-se às regras do jogo capitalista para não perderem sua inserção no mercado. Sua sujeição às condições de trabalho que lhe são impostas pela lógica da produção é inevitável.
O direito do trabalho, sendo um centro de positivação da garantia dos direitos humanos, evidentemente, não deve encarar este fato como normal e estar alheio a ele, ou, pior, fixar normas que o legitime, pois o resultado é que uma geração inteira de pessoas qualificadas e que muito bem poderiam servir à sociedade de outro modo está sendo consumida no incessante ritmo alucinado do trabalho direcionado pelos comandos da produção moderna.
Juridicamente falando, a forma essencial de se reverter este quadro é integrar estes trabalhadores à proteção do limite da jornada de trabalho, consagrada, vale lembrar, desde o Tratado de Versalhes, 1919, com reforço que lhe fora dado pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1948. Além disso, os incisos XIII e XV do art. 7o, da CF/88, conferiram, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho.
7. Horas extras (trabalho externo): Diz-se, comumente, que os empregados que exercem trabalho externo não estão sujeitos ao limite de jornada de trabalho. No entanto, sobressai o direito da sociedade de que esses trabalhadores tenham sua jornada de trabalho limitada, sendo esta uma obrigação primária que se impõe ao empregador, por ser ele quem exige ou permite a execução de serviços por parte de seu empregado. Independente do que dispõe o inciso I, do art. 62, é importante atribuir ao empregador a obrigação de limitar a jornada de seus empregados, mesmo que trabalhem fora de seu estabelecimento. Recentemente, em uma reclamação trabalhista[7], um trabalhador, motorista de ônibus intermunicipal, pleiteou o recebimento de horas extras, declinando uma jornada de trabalho de cerca de 12 horas. A reclamada, em defesa, simplesmente disse que o reclamante exercia trabalho externo e que, portanto, sequer sabia apontar a quantidade de horas que o reclamante trabalhava, diariamente. Pense-se a questão, no entanto, sob o prisma da responsabilidade social: aquele trabalhador transportava vidas humanas a mando do empregador e segundo a versão do trabalhador seu trabalho era exercido além do limite que razoavelmente se poderia entender como necessário para a segurança de todos e o empregador sequer tinha o cuidado de se dar conta da quantidade de horas trabalhadas, apenas para demonstrar a inexistência de controle e, portanto, valer-se da previsão do inciso I, do artigo 62, da CLT, com o fito de evitar o pagamento de horas extras. No entanto, o fato concreto é que aquele empregador não só poderia controlar a jornada trabalhada por seu motorista como tinha o dever social de fazê-lo. Este controle, aliás, é sempre possível (basta lembrar dos caminhões que trazem a inscrição, “veículo rastreado por radar”) e sendo esta sua obrigação, recai sobre si o encargo da prova das horas de trabalho, em eventual discussão em juízo a seu respeito.
8. Banco de horas: O banco de horas, em absoluto, pode ser considerado constitucional, na medida em que permite que uma dívida trabalhista (o pagamento da hora extra) se pague com prazo de um ano e sem o respectivo adicional, quando se compensa uma hora extra com uma hora normal, sem falar nos efeitos perversos que esta incerteza de horários provoca no cotidiano dos trabalhadores. É evidente que o propósito da lei, de preservar os empregos em épocas sazonais, só poderia se concretizar com a fixação da regra de que primeiro se concedessem as folgas, para que depois estas se compensassem com horas extras, preservando-se sempre a diferença quantitativa entre a hora normal e a hora extra[8].
9. Revezamento 12x36 : o revezamento 12x36 fere, frontalmente, a Constituição e a lei. A lei não permite trabalho em horas extras de forma ordinária, como dito acima. E, se houver trabalho em hora extra, a jornada não pode ultrapassar a 10 horas. No regime de 12x36 há trabalho freqüente além de oito horas diárias, portanto, horas extras (o fato de ser remunerado como tal, ou não, não afeta a realidade, pois hora extra é a hora que ultrapassa o limite máximo da jornada normal) e há trabalho com jornada superior a 10 horas. O descanso a mais que se dá, com a folga no dia seguinte, primeiro não retira a ilegalidade e segundo, sob o aspecto fisiológico, não repõem a perda sofrida pelo organismo, ainda mais sabendo-se, como se sabe, que no dia seguinte o trabalhador não descansa, ocupando-se de outras atividades e mesmo vinculando-se a outro emprego. Uma jornada de 12 horas vai contra a todos os preceitos internacionais de direitos humanos.
10. Agressões reincidentes do direito do trabalho: várias empresas são reincidentes na prática de agressões aos direitos dos trabalhadores, agindo assim de forma deliberada e equacionando os lucros que obtêm com tal atitude. A Justiça do Trabalho, ao contrário do que deveria, acaba adotando com relação a estas empresas uma postura complacente e às vezes, diante do fato de estarem seus representantes ou advogados, em contato mais freqüente com a Justiça, acabam tendo um tratamento extremamente amistoso. São empresas-clientes da Justiça do Trabalho. Umas até “clientes preferenciais”, que em breve vão acabar reivindicando que seus “cartões” sejam pontuados em função do número de reclamações, para trocarem esses pontos por milhagens... Claro isto é apenas uma caricatura, mas que reflete, de certo modo, o que se passa no dia-a-dia da Justiça do Trabalho (Justiça e certas empresas “parceiras” no descumprimento do direito do trabalho). Mas, agora, fruto da revitalização do princípio protetor a nova Justiça do Trabalho fará o que já devia estar fazendo, tratar essas empresas como inimigas, não para ser contra o capital, mas para estar do lado das empresas que não comparecem na Justiça do Trabalho, exatamente, pelo fato de serem cumpridoras dos direitos trabalhistas. A nova Justiça do Trabalho, então, conferirá uma espécie de selo “Amiga da Justiça do Trabalho” a todas as empresas que não tiverem reclamações trabalhistas e às suas “clientes” dará um tratamento repressivo, condenando-as, pela reincidência, ao pagamento de indenizações por dano social, fixadas a partir dos parâmetros jurídicos criados pelos artigos 186, 187, 927 e 404, parágrafo único, do Código Civil, e, no aspecto processual, inverterá o ônus da prova, para que tais empresas provem que na situação posta em julgamento os fatos foram diversos daqueles tantos outros que o juiz já instruiu e julgou.
Nesta perspectiva de penalização pela utilização da Justiça do Trabalho como forma de incrementar o negócio a partir do não pagamento das dívidas trabalhistas, deve-se reconhecer que ao inadimplente contumaz não basta a determinação de reparar o dano com juros de 1% ao mês, não capitalizados. Para estes, na perspectiva do dano social, a pena deve ser maior. Com base na previsão contida no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil, os juros deves ser calculados pela taxa SELIC e no que tange às instituições financeiras, que emprestam a juros altíssimos (os maiores do mundo) o dinheiro que deixam de repassar aos trabalhadores, o índice deve ser, por aplicação do princípio da isonomia, o mesmo, qual seja, o do cheque especial.
11. Proteção contra dispensa arbitrária: Sob a nova perspectiva protetiva da dignidade humana, é crucial que se passe a considerar que a dispensa imotivada de trabalhadores não foi recepcionada pela atual Constituição Federal, visto que esta conferiu, no inciso I, do seu artigo 7o., aos empregados a garantia da “proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Ora, da previsão constitucional não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional. Mesmo que assim não fosse, é evidente que a inércia do legislador infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da proteção da dignidade humana (inciso III, do artigo 1o), especialmente quando a dispensa de empregados se configure como abuso de direito, o que, facilmente, se vislumbra quando um empregado é dispensado, sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de saúde provenientes de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando a dispensa é utilizada para permitir a contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma função com menor salário, ou vinculado a contratos precários ou a falsas cooperativas; ou seja, quando o pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza para simplesmente diminuir a condição social do trabalhador, ao contrário do que promete todo o aparato constitucional.
Neste sentido, vale lembrar das lições de Karl Larenz[9], há muito manifestadas, analisando as relações jurídicas sob o aspecto da teoria geral do direito, no sentido de que: a) a vinculação em uma dada relação jurídica não retira da parte o seu direito subjetivo fundamental, que é o direito da personalidade, que se insere no contexto da proteção da dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer pessoa; b) o exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o prevêem, encontra, naturalmente, seus limites na noção do abuso de direito e no princípio da boa fé.
Ora, logicamente, os direitos de personalidade são garantidos ao empregado na relação jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do empregador, sendo agressões nítidas a esses direitos o trabalho em condições desumanas e sobretudo a cessação abrupta e imotivada da relação jurídica, na medida em que perde o meio de sua subsistência, sem sequer saber o motivo para tanto.
Evidentemente, como explica o mesmo autor, não há a necessidade de uma regra específica para que direito subjetivo da personalidade seja exercido.
A noção de abuso do direito encerra o princípio de que o exercício de um direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo que o de causar prejuízo a outrem[10] e mesmo quando exercido de forma imoral[11].
No tocante à boa fé, esclarece Larenz que “sempre que exista entre pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a não fraudar a confiança natural do outro”[12].
Lembre-se, ademais, que nos termos do atual Código Civil, art. 187, comete ato ilícito aquele que, independentemente de culpa, titular de um direito, “ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
12. Doença profissional: Diz o artigo 118, da Lei n. 8.213/91, que será conferida estabilidade no emprego ao empregado acidentado no trabalho, desde o retorno à atividade, com a cessação do recebimento do benefício previdenciário do auxílio-doença acidentário, até um ano após esta data. Em situações de doença profissional, no entanto, o trabalhador mesmo acometido de algum mal pode continuar prestando serviços, até o momento em que, agravando-se o seu estado de saúde, o empregador o dispensa. Este trabalhador acaba, concretamente, não obtendo o benefício previdenciário, mas isto não o pode impedir de adquirir o direito à estabilidade, uma vez comprovado em juízo o nexo causal entre a sua doença e o trabalho exercido. A reintegração ao emprego, decorrente da aplicação deste direito se impõe e não meramente a condenação em indenização compensatória, equivalente ao valor dos salários de 12 (doze) meses. Em primeiro lugar, porque o direito previsto no artigo 118 da Lei n. 8.213/91 não é, propriamente, uma garantia de salários, mas uma garantia de emprego, o que torna nulo o ato da dispensa. Em segundo lugar, porque os efeitos da doença do trabalho e da doença profissional na saúde do trabalhador podem se alastrar por tempo superior a 12 (doze) meses e, desse modo, uma tal indenização não representaria a reparação do efetivo prejuízo suportado pelo trabalhador, que no período da perda da capacidade laborativa, certamente, não conseguirá novo emprego.
Pode ocorrer, até, que a redução da capacidade laborativa seja irreversível e isto representa uma diminuição sensível da possibilidade de se adquirir novo emprego, sem que tal circunstância confira a tal pessoa o direito a uma prestação previdenciária, notadamente, uma aposentadoria por invalidez, já que para tanto requer-se uma perda total da capacidade de trabalhar, nos termos do art. 42, da Lei n. 8.213/91.
Lembre-se, ainda, que esta pessoa, desempregada, que não recebe benefício previdenciário e que não tem muita perspectiva de novo emprego, no prazo máximo de 36 (trinta e seis) meses[13], contados da data da cessação do vínculo empregatício, perde a sua condição de segurado da previdência social, nos termos do § 2o., do art. 13, do Decreto n. 3.048, de 06 de maio de 1999, que regulamenta as leis previdenciárias.
E acrescente-se, com especial relevo, que o artigo 118, da Lei n. 8.213/91, menciona que o prazo de manutenção do contrato de trabalho do acidentado será de, no mínimo, 12 (doze) meses, exatamente para dar efetiva guarida aos casos de doença profissional e doença do trabalho, para que, em suma, a estabilidade dure enquanto perdurar a perda da capacidade laborativa.
Este entendimento ainda mais se justifica quando se lembra que nos termos da mesma Lei n. 8.213/91, as empresas devem reservar aos deficientes, após reabilitação, um percentual de suas vagas que varia de 2 a 5%: a) 2%, para as empresas com 100 a 200 empregados; b) 3%, de 201 a 500; c) 4%, de 501 a 1.000; d) 5%, acima de 1.000.
Destaque-se que esta estabilidade do trabalhador acidentado é devida tanto nos contratos a prazo indeterminado quanto nos contratos a prazo[14];
13. Intimidade-privacidade: As Cortes européias vêm dando preferência à preservação da intimidade do empregado, negando a possibilidade do empregador ter acesso às correspondências eletrônicas emitidas e recebidas pelo empregado no local de trabalho, a ponto de negar a possibilidade de dispensa do empregado por tal motivo (vide, neste sentido, decisão proferida pela Corte de Cassação francesa, em 02/10/01, n. W 99-42.942, que se baseou no artigo 8o. da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais).
Sob o prisma do direito nacional, encontra-se fundamento para a proteção do sigilo da comunicação realizada por e-mail no artigo 5o., inciso XII, da Constituição Federal.
Quando o empregado executa seus serviços em estabelecimento do empregador, que, obviamente, tem a sua organização, e utiliza os instrumentos de trabalho fornecidos pelo empregador, não é razoável que possa este empregado exercer a sua vida privada até o ponto de negar a existência de seu próprio estado de subordinação à ordem produtiva e mesmo a propriedade do empregador com relação aos meios de produção que lhe são postos à disposição.
Isto não quer dizer, no entanto, que o empregador possa, por vontade própria e ato unilateral (ou mesmo por disposição contratual), praticar ato que fira a intimidade do empregado, nem lhe furtar a possibilidade de se comunicar com o mundo externo, com intimidade, proibindo-lhe o acesso a telefone ou e-mail e mesmo monitorando suas ligações ou mensagens.
Ao se permitir que uma pessoa tenha acesso a mensagens de outra pessoa, emitidas em mecanismos que, naturalmente, trazem aspectos de intimidade, mesmo que o meio utilizado para a comunicação seja de propriedade daquele que monitora, abre-se uma porta muito perigosa em termos de direitos fundamentais, pois, na confrontação de valores, diz-se que o direito de propriedade sobressai sobre o direito à intimidade.
O problema, portanto, é o da flexibilização de um direito fundamental, o que, por certo, quando aceito, não se limita à hipótese concreta posta em discussão. Fixa-se um pressuposto jurídico perigoso que serve tanto para aquele caso em exame como para vários outros, extrapolando mesmo a mera relação de emprego, isto é, podendo atingir a todos os cidadãos em qualquer situação (pois o contrário seria discriminação: considerar que apenas a privacidade do empregado, porque subordinado, está sujeita a restrições). E, lembre-se: "onde passa um boi, passa uma boiada".
O mundo caminha para um novo arranjo social muito perigoso, em que certos valores (segurança, defesa da propriedade, disciplina vigiada) têm sido utilizados como justificativas para se flexibilizar o direito à privacidade e à intimidade. Há mesmo quem sustente, nesta linha de idéias, que até a tortura se justifica quando se tem a "suspeita" de que algo grave possa acontecer (os efeitos do poder de tortura todos conhecem, e os temos visto nos jornais).
Abrindo-se esta porta no mundo jurídico, legitima-se o monitoramento de toda a sociedade (o tempo todo, em qualquer lugar). Viveremos (e talvez estejamos caminhando para isto) em um grande "Big Brother" (com o perdão da repetição): "Sorria você está sendo filmado!"
Não se pode, em hipótese alguma, abrir esta porta. O ser humano precisa de sua intimidade e de sua privacidade e se isto é essencial ao ser humano é essencial para a sociedade, pois esta é composta de seres humanos.
Nunca é demais lembrar que a boa fé é o pressuposto das relações contratuais, assim como das próprias relações humanas. Ao se perder o vínculo de boa fé, perde-se o amálgama que justifica a convivência harmônica. Quando todos são delinqüentes (terroristas, transgressores etc) em potencial, não há sociedade possível. Não sou adepto da teoria da "guerra de todos contra todos", prefiro acreditar no homem bom, que se corrompe pelo meio. Ao se criar o pressuposto de que todos podem, para defender seus interesses (que serão sempre "maiores"), invadir a privacidade de outro, permitimos que o homem se corrompa neste sentido, passando a achar isto natural.
Ser, ou não, o meio de comunicação, ferramenta de trabalho altera a situação. O e-mail é ferramenta de trabalho, mas ao mesmo tempo serve ao indivíduo. Não é porque o empregador forneceu o equipamento que pode, por isto, invadir a privacidade do empregado que se manifesta por tal meio, naturalmente. Grotescamente falando: não é porque o empregador fornece o uniforme que pode pedir ao empregado que o tire imediatamente...
Todos desejam que a sua privacidade e a sua intimidade sejam preservadas de toda e qualquer invasão. Este princípio, por óbvio, serve, também, ao empregado. O empregador que ache outros meios de controlar a produção e preservar seu patrimônio. Nas decisões dessa Justiça do Trabalho, impulsionada pelo princípio da proteção da dignidade humana, ele não encontrará nenhuma brecha para atingir a privacidade e a intimidade de quem quer que seja.
Ainda sob o aspecto da proteção da intimidade, sobreleva a questão pertinente à vigilância por vídeos no local de trabalho. No ambiente do trabalho, evidentemente, esta situação só se justifica nos restritos limites da manutenção da segurança. Fora deste limite, as câmeras servem apenas para manter sob extremo controle o empregado, o que, evidentemente, não se insere dentro do poder de direção do empregador, ferindo, por conseqüência, o direito à intimidade do empregado.
14. Estágios: Os contratos de estágio podem até ter uma função social importante, que é a da inserção de estudantes ao mercado de trabalho. O problema que esta inserção se faz, conforme prevê a lei, com negação de direitos fundamentais, quais sejam, os direitos trabalhistas. A lei, portanto, na perspectiva da prevalência da dignidade humana e da proteção social do trabalho, é, notoriamente, inconstitucional, até porque, em verdade, seus propósitos há muito foram desviados. No fundo, os contratos de estágio, empiricamente, servem unicamente como alternativa para as empresas para utilização de mão-de-obra mais barata, o que se tem feito sem qualquer limite (havendo empresas que tem mais estagiários que empregados) e sem qualquer vinculação à formação profissional.
15. Trabalho infantil: O trabalho infantil, mais precisamente da pessoa com idade inferior a 16 anos não tem recebido um tratamento adequado da Justiça do Trabalho, mas isto, agora, está prestes a mudar. Diz-se que o contrato é nulo e que não há direitos. Outros dizem que é nulo, mas gerando apenas os direitos trabalhistas. Mesmo se reconhecermos a nulidade (o que no meu modo de ver não nega direitos, especialmente o do registro em Carteira) há de se condenar o explorador a pagar uma indenização, pois no caso o dano não é só financeiro, é de agressão à infância, que é um bem constitucionalmente preservado.
16. Trabalho doméstico: Na ótica da proteção da proteção social do trabalho, além de se garantir à diarista todos os direitos pertinentes à empregada doméstica, finalmente, se conferirá a esta, a integralidade os seguintes direitos: a) salário mínimo que for fixado por lei para todos os demais trabalhadores; b) irredutibilidade salarial; c) 13o. salário, integral e proporcional, na totalidade dos termos previstos na Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962; d) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, sendo, necessariamente, pelo menos um domingo por mês e com pagamento em dobro no descumprimento, na totalidade dos termos da Lei n. 605, de 05 de janeiro de 1949, que faz incidir também para os domésticos o direito a não trabalhar em dias feriados; e) férias de 30 (trinta) dias, integrais e proporcionais, com adicional de 1/3, incluindo a dobra no descumprimento, na totalidade dos termos dos artigos que integram o Capítulo IV da CLT; f) licença-gestante de 120 (cento e vinte) dias, sendo que esta licença é paga diretamente pelo INSS, nos termos da Lei n. 8.213/91, mas de responsabilidade do empregador quando por ato unilateral obste a aquisição deste direito; g) licença-paternidade de 05 (cinco) dias; h) aviso prévio de 30 (trinta) dias, incluindo o aviso prévio indenizado, no caso de seu descumprimento; i) aposentadoria, nos termos da Lei n. 8.213/91; j) multa do artigo 477, parágrafo 8o, da CLT; l) pena do art. 467, da CLT; m) estabilidade gestante desde a concepção até cinco meses após o parto (letra “b”, inciso II, do art. 10, do ADCT).
17. Prescrição: A prescrição de direitos trabalhistas, enquanto vigente a relação de emprego, é algo que, efetivamente, não se justifica dentro de uma ordem jurídica que estabeleça como princípio fundamental a proteção da dignidade humana.
Como dizem os clássicos doutrinadores civilistas, a prescrição não é um prêmio para o devedor, não é uma proteção do devedor, mas um limite que se impõe à ação do credor na busca de seu direito. Um limite do qual o direito se utiliza “para evitar que o credor possa negligenciar na cobrança da dívida, criando, assim, uma permanente situação de mal-estar para a sociedade” (Mozart Victor Russomano, Comentários à CLT, Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 53).
Ora, se assim é, não pode a prescrição trabalhista, igualmente, representar um prêmio para o empregador e, em concreto, aplicar-se um lapso prescricional durante a vigência de uma relação de emprego, ainda mais dentro de um quadro jurídico que, da forma como vem sendo aplicado, não garante o emprego. Uma tal situação significa conferir um benefício para o empregador que não cumpre direitos trabalhistas (sem beneficiar aos que cumprem), pois o exercício do direito de ação, por parte do empregado, para pleitear seus direitos, implica pôr em risco o seu bem maior que é o emprego. Daí porque a Justiça do Trabalho já foi apelidada da justiça do ex-empregado, na medida em que, verdadeiramente, somente após o término da relação de emprego é que os empregados (ou melhor, ex-empregados) buscam defender, em juízo, os seus direitos.
Assim, o lapso prescricional de 05 anos, previsto constitucionalmente, embora tenha, em tese, aplicação imediata, somente pode se aplicado efetivamente após cumprida a promessa constitucional da proteção do emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7o. I, da CF) – seja pela criação da lei complementar, seja pela consagração na doutrina e na jurisprudência da idéia de que a inércia do legislador não é capaz de impedir a eficácia de tal dispositivo, conforme sustentado acima – pois, do contrário, estar-se-ia ferindo, na realidade, o princípio da proteção da dignidade humana, jogando-se no lixo as garantias fundamentais do direito social.
Pode-se pensar que uma tal interpretação estaria fazendo letra morta do texto constitucional, mas parece-me que o contrário é que o faz. Ora, se foi o Constituinte quem quis e delimitou a prescrição dos direitos trabalhistas e esta sua vontade não pode ser desprezada, não se pode negar que esta sua vontade foi externada dentro de um contexto normativo que previa, igualmente, a proteção do emprego contra a dispensa arbitrária. Estas duas vontades do constituinte devem ser respeitadas e aplicadas conjuntamente visto que possuem relação de causa e efeito: os direitos prescrevem durante o curso da relação de emprego porque a relação de emprego é protegida, possibilitando, em concreto, ao empregado pleitear os seus direitos. Se ausente uma das condições, a outra não pode ser aplicada, sob pena de se criar um mero benefício ao descumpridor da ordem jurídica, sob o pretexto, falacioso e ilusionista, de que é o empregado que permite que seus direitos sejam descumpridos ao não ingressar com ação judicial para defendê-los.
18. Negociação “in pejus”: Na ótica da preservação dos princípios da proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho, os direitos trabalhistas são direitos fundamentais, não se subordinando, pois, à vontade das partes, mesmo quando representadas por entidades sindicais. A autonomia privada coletiva, por conseguinte, só tem campo de atuação para melhorar as condições de trabalho fixadas na lei, jamais para reduzir o seu alcance;
19. Acidente do trabalho: a obrigação de indenizar por ocorrência de acidente do trabalho não depende de prova da culpa. A responsabilidade é objetiva, conforme prevê o artigo 927, do Código Civil. A previsão constitucional, por óbvio, não limita este direito do acidentado, na medida em que a norma constitucional é de caráter mínimo, podendo, portanto, sem ampliada pela lei infraconstitucional, como se dá na presente situação.
Quanto à prescrição do dano moral decorrente do acidente do trabalho, importante destacar que o bem jurídico protegido é um direito da personalidade. O direito à personalidade decorre da relação jurídica básica que cada cidadão possui com todos os outros, independente da existência de uma relação jurídica específica. A pessoa não perde esse direito quando se integra a uma relação jurídica específica. O empregador é responsável por reparar o dano moral não por ser o empregador, juridicamente qualificado, mas por ser responsável pela reparação, na medida em que o empregado está sob sua subordinação. Não se trata, portanto, de um crédito trabalhista, mas de um bem jurídico a que todos os cidadãos têm direito, inclusive o empregado. A reparação deste bem não é uma reparação civil, pois seu fundamento é constitucional (art. 5o.). Basta avaliar as hipóteses mencionadas no § 3o., do art. 206, do CC, para verificar que não se autoriza vincular os danos ali mencionados ao dano decorrente de acidente do trabalho, cuja reparação está na própria origem do Estado Social e dos direitos humanos. No aspecto do benefício previdenciário, aliás, a idéia é a da imprescritibilidade do benefício, prescrevendo em cinco anos apenas as parcelas, mas jamais o direito de pleitear o benefício (auxílio-doença). Não cabe, portanto, a tese de que a prescrição, no direito civil, é de 03 anos, para os acidentes do trabalho e que, por isto, a trabalhista, qüinqüenal, é mais benéfica. A reparação do dano pessoal, decorrente de agressão a direito da personalidade, é, portanto, imprescritível. E, não se querendo ver isto, a prescrição, na pior das hipóteses, é a vintenária, para os casos anteriores à edição do novo Código Civil, ou decenária, para as posteriores.
20. Greve: A greve é fruto de um direito fundamental e sendo assim, na perspectiva da proteção da dignidade humana, não se permite à Justiça do Trabalho delimitar o alcance das reivindicações que por meio da greve pretendam fazer os trabalhadores;
21. Servidores públicos: no que tange às relações de trabalho com o ente público, independe de se perquirir sobre os servidores estatutários, isto é, falando apenas das relações que já se encontram sob a competência da Justiça do Trabalho, a visão protecionista da dignidade humana, implica: a) a supressão do Enunciado 363, TST (contratação sem concurso público); b) a supressão da OJ 247, TST (dispensa imotivada de empregados públicos); c) a declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º., da Lei n. 8.666-93, que nega responsabilidade ao Estado pelas dívidas trabalhistas em contratações por licitação, mesmo em se tratando de obras específicas (“dono da obra”); d) a negação de validade aos contratos de terceirização, para prestação de serviços, no setor público, por aplicação dos 39, 37, XXI e art. 247 da Constituição Federal; e) a consideração de que a greve é legítimo direito do servidor público, independe de uma lei que o regule; f) a consideração de que é possível o dissídio coletivo de natureza econômica para os servidores públicos, inclusive para reposição salarial; g) a declaração da nulidade pelos abusos cometidos nas contratações temporárias por excepcional interesse público;
22. Tutela antecipada: A tutela antecipada integra a concepção do processo como instrumento ético, buscando a pacificação, com justiça, dos conflitos sociais. A antecipação da tutela integra este contexto, visando equacionar o antigo dilema entre necessidade de celeridade do provimento jurisdicional e necessidade de assegurar ao demandado as conquistas já tradicionais do devido processo legal. Entretanto, o “standart” legal merece aplicação razoável, para que não se torne letra morta o pretendido avanço do direito processual, em prol da efetivação do direito material. Na Justiça do Trabalho, a tutela antecipada deve ser uma constante, sobretudo quando se está diante de verbas trabalhistas não pagas e quanto às quais não se tenham uma razoável controvérsia. O tempo do processo, para permitir o devido processo legal, nestes casos, não deve penalizar o reclamante que, por avaliação de evidência, tem razão. Pela tutela antecipa-se o efeito da prestação jurisdicional, conferindo-se ao reclamante, de uma vez, o bem da vida perseguido, mediante imposição de multa (“astreinte”) ao devedor. Quando a tutela for de evidência e se configurar atitude meramente protelatória do réu, tentando valer-se da morosidade processual para negar o cumprimento de obrigação alimentar, como é a trabalhista (sobretudo as verbas rescisórias), a concessão da tutela pode ser concedida “ex officio”;
23. Acordos: Na nova visão, está prestes a ser banida da realidade das Varas do Trabalho os acordos que representam autêntica renúncia a direitos, o que se demonstra, facilmente, quando não há controvérsia razoável de natureza fática ou jurídica a respeito do objeto da lide. Em suma, estão com os dias contados as conhecidas lides simuladas, ou “casadinhas”, pelas quais maus empregadores fazem da Justiça do Trabalho um apêndice de seu Departamento de Pessoal, com um quê, de Departamento Financeiro. Esta nova Justiça do Trabalho, certamente, não se submeterá a estes desvios de função e com a utilização da tutela antecipada “ex officio” saberá coibir tal prática, sem deixar sem resposta o interesse emergencial do reclamante. Assim, todo acordo será fruto de autêntica transação, não importando em renúncia a direitos ou desconsideração de normas de ordem pública, além de não mais trazerem a imoral e anti-jurídica cláusula da “quitação pelo extinto contrato de trabalho”;
24. Honorários advocatícios: Como não se prevê que a Justiça do Trabalho não faça uma ordem de classificação entre as ações, que ponha em segundo plano a relação de emprego, por óbvio, em todas as ações terá aplicabilidade o princípio da sucumbência, advindo daí, finalmente, a eliminação do inconcebível entendimento de que nas reclamações trabalhistas, em que se discutam direitos decorrentes de uma relação de emprego, não cabe a condenação em honorários advocatícios.
25. Não-discriminação: o princípio da não-discriminação, consagrado nas obras de direito do trabalho, nos Tratados internacionais de direitos humanos e na Constituição brasileira, será aplicado efetivamente nas relações de emprego, com a fixação de um postulado jurídico processual importantíssimo, qual seja, o da inversão do ônus da prova em situações em que notoriamente a discriminação se presuma. O ato que representa, presumidamente, uma conduta discriminatória teve ter, portanto, uma motivação específica, para que a discriminação não seja declarada e esta motivação deve ser provada, inequivocamente, pelo autor do ato.
Conclusão.
Como se pode ver, mesmo tendo que reconsiderar posição anterior, tenho pelo menos 25 razões para externar que minha alegria não poderia ser maior. Afinal, com o advento do espírito de proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho que se instaurou na esfera jurídica trabalhista a partir da publicação da Emenda Constitucional n. 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, todos os efeitos acima preconizados serão, certamente, produzidos em curto espaço de tempo. Não é mesmo? Ou será que os argumentos da proteção da dignidade humana e da valoração social do trabalho são apenas figuras de retórica para justificar a defesa da ampliação da competência que, no fundo, tem outros propósitos ou propósito nenhum...
Mas, não posso ter essa recaída agora, na medida em que é enorme a quantidade de juristas e juízes a garantir que a defesa da ampliação da competência da Justiça do Trabalho parte dos postulados em questão e é claro que como defensores da dignidade e, conseqüentemente, da ética, naturalmente, não trairão as suas idéias e farão com que tais princípios tenham incidência imediata e concreta nas relações de emprego.
Portanto, no embalo da presunção de veracidade das concretas mudanças de mentalidade e de postura da Justiça do Trabalho frente aos conflitos trabalhistas, com imensa alegria, vou à luta ecoando o coro:
A gente não quer só poder
A gente quer poder prá aliviar a dor!
São Paulo, 25 de junho de 2005.
(*) Juiz do Trabalho, titular da 3ª. Vara de Jundiaí-SP. Professor da Faculdade de Direito da USP.
[1]. Cf. Hugo Cavalcanti Melo Filho, “Nova competência da Justiça do Trabalho: Contra a interpretação reacionária da Emenda n. 45-2004”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 170-186.
[2]. Cf. Arion Sayão Romita, in palestra proferida no 13º. Congresso Goiano de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, realizado pelo IGT, nos dias 16 a 18 de junho de 2005.
[3]. Cf. Gustavo Tadeu Alkimim, “Nova competência da Justiça do Trabalho – perspectivas de um juiz especial para uma Justiça Especial”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 154.
[4]. Cf. Grijalbo Fernandes Coutinho, “Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho: mudança que contraria o perfil conservador da reforma do Judiciário”, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, coordenadores, Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, São Paulo, LTr, 2005, p. 107.
[5]. Estudos revelam que o maior número de acidentes do trabalho se dá no momento em que o trabalhador está cumprindo horas extras.
[6]. Repare-se, a propósito, que a maioria das reclamações trabalhistas versa sobre trabalho em hora extra não remunerado.
[7]. Movida perante a 3a. Vara do Trabalho de Jundiaí/SP.
[8]. Para maiores argumentos neste sentido, vide, Jorge Luiz Souto Maior, ob. cit., “O direito do trabalho como instrumento de justiça social”, pp. 329-330
[9]. Derecho Civil – parte general. Tradução e notas de Miguel Izquierdo y Macías-Picaveva. Editorial Revista de Derecho Privado, Editoriales de Derecho Reunidas.
[10]. Larenz, ob. cit., p. 297.
[11]. Larenz, ob. cit., p. 298.
[12]. Larenz, ob. cit., p. 300.
[13]. Isso quando já tenha 120 (cento e vinte) meses de contribuição.
[14]. Vide, neste sentido, também, Denise Maria Schellenberger, “A estabilidade provisória do acidentado no trabalho e os contratos de experiência”, in Síntese Trabalhista, n.112, out/98, pp. 19-26.
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